O Livro Pela Capa
Quinta-feira, 1 de Abril de 2010
David Mourão-Ferreira: Tempestade de Verão
(...) em 1954 tinha sido distinguido com o Prémio de Poesia Delfim Guimarães pelo livro Tempestade de Verão,
Portugal
[1927-1996]
Poeta/Escritor
Poema
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E tropeçavam todos nalgum vulto,
quantos iam, febris, para morrer:
era o passado, o seu passado — um vulto
de esfinge ou de mulher.
Caíam como heróis os que não o eram,
pesados de infortúnio e solidão.
(Arma secreta em cada coração:
a tortura de tudo o que perderam.)
Inimigos não tinham a não ser
aquela nostalgia que era deles.
Mas lutavam!, sonâmbulos, imbeles,
só na esp'rança de ver, de ver e ter
de novo aquele vulto
— imponderável e oculto —
de esfinge, ou de mulher.
David Mourão-Ferreira, in "Tempestade de Verão"
Data: 2008/09/21 08:07
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http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809210807
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Poema
Poema
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A tua morte, que me importa,
se o meu desejo não morreu?
Sonho contigo, virgem morta,
e assim consigo (mas que importa?)
possuir em sonho quem morreu.
Sonho contigo em sobressalto,
não vás fugir-me, como outrora.
E em cada encontro a que não falto
inda me turbo e sobressalto
à tua mínima demora.
Onde estiveste? Onde? Com quem?
— Acordo, lívido, em furor.
Súbito, sei: com mais ninguém,
ó meu amor!, com mais ninguém
repartirás o teu amor.
E se adormeço novamente
vou, tão feliz!, sem azedume
— agradecer-te, suavemente,
a tua morte que consente
tranquilidade ao meu ciúme.
David Mourão-Ferreira, in "Tempestade de Verão"
Data: 2008/09/21 08:08
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http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809210808
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Poema
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Já o silêncio não é de oiro: é de cristal;
redoma de cristal este silêncio imposto.
Que lívido museu! Velado, sepulcral.
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto!
Um hálito de medo embaciando o vidrado
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos.
Na silente armadura, e sobre si fechado,
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos.
Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós
que a própria voz do mar segue o risco de um disco...
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz.
Mas já ninguém pretende exp'rimentar-lhe o risco!
David Mourão-Ferreira, in "Tempestade de Verão"
Data: 2008/09/21 08:06
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http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809210806
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Poema
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Tudo que sou, no imaginado
silêncio hostil que me rodeia,
é o epitáfio de um pecado
que foi gravado sobre a areia.
O mar levou toda a lembrança.
Agora sei que me detesto:
da minha vida de criança
guardo o prelúdio dum incesto.
O resto foi o que eu não quis:
perseguição, procura, enlace,
desse retrato feito a giz
pra que não mais eu me encontrasse.
Tu foste a noiva que não veio,
irmã somente prometida!
— O resto foi a quebra desse enleio.
O resto foi amor, na minha vida.
David Mourão-Ferreira, in "Tempestade de Verão"
Data: 2008/09/21 08:05
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http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809210805
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Poema
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Fujo da sombra; cerro os olhos: não há nada.
A minha vida nem consente
rumor de gente
na praia desolada.
Apenas decisão de esquecimento:
mas só neste momento eu a descubro
como a um fruto rubro
de que, sem já sabê-lo, me sustento.
E do Sol amarelo que há no céu
somente sei que me queimou a pele.
Juro: nem dei por ele
quando nasceu.
David Mourão-Ferreira, in "Tempestade de Verão"
Data: 2008/09/21 08:04
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http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809210804
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Tempestade de Verão
A Isadora Duncan
Nasci quando morreste.
Por isso trago a nostalgia
Dos movimentos puros que tiveste.
Nasci quando morreste.
Por isso trago a nostalgia
Dos movimentos puros que tiveste.
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http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores10.aspx?AutorId=8332&ExcertoId=638&TituloObra=Tempestade%20de%20Ver%C3%A3o
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