Tempo em Setúbal

domingo, 17 de outubro de 2010

Dois poemas de Augusto Gil

 Luar de Janeiro


Luar de Janeiro,
Fria claridade...

À luz dele foi talvez
Que primeiro
A boca dum português
Disse a palavra saudade...

Luar de platina;
Luar que alumia
Mas que não aquece,
Fotografia
De alegre menina
Que há muitos anos já... envelhecesse.

Luar de Janeiro,
O gelo tornado
Luminosidade...
Rosa sem cheiro,
Amor passado
De que ficou apenas a amizade...

Luar das nevadas,
Àlgido e lindo,
Janelas fechadas,
Fechadas as portas,
E ele fulgindo,
Límpido e lindo,
Como boquinhas de crianças mortas,
Na morte geladas
-E ainda sorrindo...

Luar de Janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
-Nem o calor dum braseiro,
Nem pão duro para a ceia,
Nem uma pobre morada...

Luar dos poetas e dos miseráveis...
Como se um laço estreito nos unisse,
São semelháveis
O nosso mau destino e o que tens;

De nós, da nossa dor, a turba - ri-se
- E a ti, sagrado luar... ladram-te os cães!
.
.
Balada da Neve
.
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Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…

.
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

.
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

.
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…

.
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…

.
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…

.
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.

.
.

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Ilusionismo Quadrilátero

ILUSIONISMO
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* Victor Nogueira .
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Ele há um tempo p’ra tudo na vida
Cantando hora, minuto, segundo;
Por isso sempre existe uma saída
Enquanto nós estivermos neste mundo.
.
Há um tempo para não fenecer
Há mar, sol, luar e aves com astros
Há uma hora p'ra amar ou morrer
E tempo para não se ficar de rastos.
.
P'ra isso e' preciso sabedoria
Em busca dum bom momento, oportuno,
Com ar, bom vinho, pão e cantoria,
Sem se confundir a nuvem com Juno.
.
1991.08.11 - SETUBAL