As Mil e uma Noites
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As Mil e Uma Noites (em árabe: كتاب ألف ليلة وليلة, transl. Kitāb 'alf layla wa-layla, "O Livro das Mil e Uma Noites"; em em persa: هزار و یک شب, transl. Hezār-o yek šab) é uma coleção de histórias e contos populares originárias do Médio Oriente e do sul da Ásia e compiladas em língua árabe a partir do século IX. No mundo ocidental, a obra passou a ser amplamente conhecida a partir de uma tradução ao francês realizada em 1704 pelo orientalista Antoine Galland, transformando-se num clássico da literatura mundial.
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As histórias que compõe as Mil e uma noites tem várias origens, incluindo o folclore indiano, persa e árabe. Não existe uma versão definida da obra, uma vez que os antigos manuscritos  árabes diferem no número e no conjunto de contos. O que é invariável  nas distintas versões é que os contos estão organizados como uma série  de histórias em cadeia narrados por Xerazade,  esposa do rei Xariar. Este rei, louco por haver sido traído por sua  primeira esposa, desposa uma noiva diferente todas as noites,  mandando-as matar na manhã seguinte. Xerazade consegue escapar a esse  destino contando histórias maravilhosas sobre diversos temas que captam a  curiosidade do rei. Ao amanhecer, Xerazade interrompe cada conto para  continuá-lo na noite seguinte, o que a mantém viva ao longo de várias  noites - as mil e uma do título - ao fim das quais o rei já se  arrependeu de seu comportamento e desistiu de executá-la.
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Sinopse
A história conta[1] que Xariar, rei da Pérsia da dinastia dos Sassânidas,  descobre que sua mulher é-lhe infiel, dormindo com um escravo cada vez  que ele viaja. O rei, decepcionado e furioso, mata a mulher e o escravo,  convencendo-se por este e outros casos de infelidade que nenhuma mulher  do mundo é digna de confiança. Decide então que, daquele momento em  diante, dormirá com uma mulher diferente cada noite, mandando-a matar na  manhã seguinte: desta forma não poderá ser traído nunca mais.
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Passam-se assim três anos durante os quais o rei desposou e sacrificou inúmeras moças, trazidas à sua presença pelo vizir (equivalente a um primeiro ministro) do reino. Certo dia, quando já quase não havia virgens no reino, uma das filhas do vizir, Xerazade,  pediu ser entregue como noiva ao rei, pois sabia um estratagema para  escapar ao triste fim que alcançou as moças anteriores. O vizir apenas  aceita depois de muita insistência da filha, levando-a finalmente ao  rei. Antes de ir, Xerazade diz à irmã, Duniazade, que lhe peça que conte  uma história quando for chamada ao palácio do rei.
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Xerazade, ao chegar em presença do rei, pede-lhe que permita a vinda  de sua irmã, para despedir-se. O rei o permite, e Duniazade vem ao  palácio e instala-se na câmara nupcial. Após o rei possuir Xerazade,  Duniazade pede à irmã que conte uma história para passar o tempo. Após  respeituosamente pedir a permissão do rei, Xerazade começa a contar a  extraordinária "História do mercador e do gênio"  mas, ao amanhecer, ela interrompe o relato, dizendo que continuará a  narrativa na manhã seguinte. O rei, curioso com o maravilhoso conto de  Xerazade, não ordena sua execução para poder saber o final da história  na noite seguinte. Assim, repetindo essa estratégia, Xerazade consegue  sobreviver noite após noite, contando histórias sobre os mais variados  temas, desde o fantástico e o religioso até o heróico e o erótico. Ao  fim de inúmeras noites e contos, Xerazade já havia tido três filhos do  rei, e lhe suplica que a poupe, por amor às crianças. O rei, que há  muito havia-se arrependido dos seus atos passados e convencido-se da  dignidade de Xerazade, perdoa-lhe a vida e faz dela sua rainha  definitiva. Duniazade é feita esposa do irmão do rei, Xazamã.
Origens e manuscritos
A mais antiga menção a um livro árabe das Mil e uma noites é um fragmento de um manuscrito  do início do século IX em que se lê o título da obra e algumas linhas  iniciais, em que Duniazade pede a um narrador não especificado que conte  uma história[2]. Mais dados sobre a existência deste livro e sua origem encontram-se nos escritos do historiador Al-Masudi (888-957), que se refere a uma coleção de contos fantasiosos traduzidos do persa, sânscrito e grego, incluindo-se entre eles um livro persa chamado Hazār afsāna ("Mil histórias" em persa) [3]. Segundo Al-Masudi, a coleção era conhecida como "As mil noites e uma noite" em árabe  e contava a história de "um rei, seu vizir, sua filha Xerazade e sua  escrava, Duniazade". A existência desta tradução do persa ao árabe é  corroborada pelo bibliógrafo xiita Ibn al-Nadim (m. 995 ou 998), que menciona o livro em sua obra Fehrest (ou Fihrist), escrita em 987-988[3]. Ibn al-Nadim informa ainda que o livro possui menos de 200 contos, uma vez que cada conto ocupa mais de uma noite[4].
Assim, uma versão árabe das Mil e uma noites, estruturada ao  redor dos contos narrados por Xerazade para escapar da execução por  Xariar, já existia no século IX e o núcleo de contos era derivado de uma  tradução da obra persa Hazār afsāna realizada talvez no século VIII[5][3].  A história da traição do rei Xariar pela primeira mulher, que explica o  comportamento do rei, não é mencionada por Ibn al-Nadim e provavelmente  surgiu após o século X. Além da referência à tradução do persa ao árabe  contida nos escritos de Al-Masudi e Ibn al-Nadim, uma evidência sobre a  origem das Mil e uma noites é o fato de que os nomes dos personagens do prólogo são persas[5], como Xerazade ("de nobre linhagem"), Xariar ("príncipe" ou "rei"), Duniazade ("à deusa dēn glorificada") e Xazamã ("rei do seu tempo")[3]. Por outro lado, a estrutura do prólogo das Mil e uma noites,  em que é contada a história de Xerazade e Xariar e que cria o marco  narrativo do livro, seguidos por contos estruturados em cadeia, com  histórias dentro de outras histórias, é comum na literatura indiana e  pode ter sido influenciada por esta. Por exemplo, a coleção de contos em  sânscrito Panchatantra,  compilada entre os séculos III a V dC, também está organizada ao redor  de um narrador, neste caso um sábio que conta uma série de histórias de  animais para três príncipes[6].
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Os contos que compõe as Mil e uma noites são de diversas  origens e foram sendo acrescentados e suprimidos ao longo da história da  obra, sendo alguns possivelmente originários da Índia, outros da Pérsia  e outros do mundo árabe[3].  As mais antigas referências à obra não mencionam quais contos compunham  a coleção e, uma vez que os manuscritos com contos que chegaram até a  atualidade são já do século XV, é hoje impossível saber quais eram os  contos que compunham as primeiras versões das Mil e uma noites, inicialmente derivados da obra persa Hazār afsāna[5]. Sobre o estado inicial das Mil e uma noites  o único que se pode afirmar com certeza é que a história básica de  Xerazade e Xariar, que unifica a obra, já estava presente desde o século  IX.
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Os estudiosos acreditam que os manuscritos das Mil e uma noites que existem atualmente são derivados de reelaborações realizadas entre os séculos XIII e XIV no Médio Oriente, à época dominado pelos mamelucos. O mais famoso e um dos mais completos e antigos dos manuscritos é o utilizado por Antoine Galland para sua tradução publicada em 1704. Este manuscrito em três volumes, originário da Síria e conservado hoje na Biblioteca Nacional de Paris (arabe 3609-3611), data de meados do século XV (alguns pensam que é do século XIV) e contém um total de 282 noites[7].  Há ainda um pequeno grupo de manuscritos relacionados a este aos quais  se dá o nome de ramo sírio dos manuscritos, todos terminando na noite  282 e deixando incompleto o Conto do Príncipe Camaralzaman e da Princesa Budura[8][7].  Um grupo de manuscritos mais recente, e diferentes linguisticamente do  ramo sírio, foi compilado entre os séculos XVII e XVIII e constitui o  chamado ramo egípcio, por serem em sua maioria provenientes desta região[8]. Estes manuscritos, compilados em parte para atender à demanda europeia de histórias das Mil e uma noites  após o êxito da obra de Galland, chegou ao número de noites do título,  ou seja, mil e uma. A compilação egípcia mais moderna - datada da  segunda metade do século XVIII e base de muitas traduções e edições  posteriores - é referida como ZER (Zotenberg Egyptian's Recension;  edição crítica egípcia de Zotenberg) em homenagem ao estudioso Hermann  Zotenberg, autor de importantes estudos sobre esses manuscritos no final  do século XIX[5]. O termo "ZER" também é utilizado como sinônimo para o ramo egípcio[5].
Traduções e edições
A primeira versão em árabe das Mil e uma noites, redigida no século IX ou no século anterior, foi uma tradução da obra persa Hazār afsāna,  atualmente perdida. Pouco ou nada se conhece dos contos que faziam  parte das primeiras versões em árabe, uma vez que estas são conhecidas  atualmente apenas por pequenos fragmentos de texto e menções em outras  obras e os manuscritos mais antigos da obra conservados atualmente datam  já do século XV.
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A primeira tradução a uma língua europeia foi realizada pelo orientalista francês Antoine Galland (1645-1715), que publicou entre 1704 e 1717 sua Mille et une nuits. A principal fonte para a versão de Galland foi um manuscrito sírio  em três volumes, escrito em árabe, que terminava na noite 282 e não  apresentava o final. Para completar a sua obra e aumentar o número de  noites, Galland utilizou outros textos árabes, incluindo manuscritos  egípcios (hoje perdidos) com os contos Príncipe Camaralzaman e a Princesa Budura e o Conto de Ganim. Galland também incorporou histórias que originalmente não se encontravam em nenhum manuscrito das Mil e uma noites conhecido. Uma é a história de Simbad o marujo,  traduzida a partir de uma manuscrito árabe avulso. Outra fonte de  Galland, segundo o próprio, foi um contador de histórias chamado Hanna  Diab, um maronita de Alepo, que narrou-lhe contos como o de Aladim e a Lâmpada Maravilhosa e o de Ali Babá e os Quarenta Ladrões. Estes contos incorporados por Galland, e que aparentemente não formavam parte das Mil e uma noites  original, tornaram-se extremamente populares e passaram a ser incluídos  em manuscritos árabes e traduções europeias produzidas posteriormente.
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Para os padrões atuais, Galland produziu uma tradução fantasiosa,  mais uma recriação que uma tradução. Além das mistura de fontes para os  contos, Galland omitiu e introduziu textos, alterou a fala de  personagens e retirou os muitos versos poéticos dos originais. Além  disso, Galland não explicitou com precisão que fontes utilizou para sua  obra, o que dificulta seu estudo hoje. De qualquer forma, sua versão das  Mil e uma noites foi imensamente popular e foi o ponto de partida para a influência da obra árabe no mundo ocidental e até mesmo na revalorização que os contos tiveram no mundo árabe.
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Já no século XVIII o interesse despertado pela obra de Galland levou à busca de manuscritos mais "completos" das Mil e uma noites, uma vez que a fonte utilizada pelo francês terminava na noite 282. No Egito  foram produzidas várias compilações de contos que eventualmente  chegaram a abranger as 1001 noites do título, e baseados nestes  manuscritos do ramo egípcio floresceram muitas edições e traduções ao  longo do século XIX. Em língua árabe, a primeira edição impressa foi publicada em Calcutá em 1814-1818 (chamada Calcutá I), seguida de outras publicadas no Cairo  em 1835 (Bulaq I), Calcutá em 1839-1842 (Calcutá II) e novamente Cairo  em 1862 (Bulaq II). Com base nestas edições em árabe foram realizadas  importantes traduções a línguas europeias, como ao inglês por John Paine (Londres, 1839-41), Edward Lane (1882-84) e finalmente Richard Francis Burton (Londres, 1885). A tradução deste último, chamada The Book of the Thousand Nights and a Night e publicada em 10 volumes, foi baseada em Calcutá II e tornou-se muito influente, além de escandalosa na Inglaterra vitoriana,  uma vez que Burton, ao contrário de seu predecessor Paine, não censurou  as cenas eróticas da obra e inclusive as enfatizou, enfrentando os  costumes morais da época. Mais tarde, Burton publicou contos de outros  manuscritos das Noites em um Suplemento publicado entre 1886 e 1888.
Lista de histórias
- O mercador e o Efreet
- O pescador e o Marid
- A História de Mobarak
- Aladim e a Lâmpada Maravilhosa
- A Aventura de Judar
- Almaz, o Príncipe Brilhante
- As Botas de Karam
- Ali Babá e os Quarenta Ladrões
- Aventura nos Sete Mares
- História do mercador e do gênio
- O Príncipe Narigudo
- Omar e Yasmin
- Os Príncipes do Oriente
- Simbad
Notas
- ↑ Las mil y una noches trad. María Elvira Sagarzazu. Colihue Clásica, 2006. ISBN 950-563-023-9
- ↑ Abbott, Nabia. Cap 2. in The Arabian Nights reader. Wayne State University Press, 2006[1]
- ↑ a b c d e Alf Layla Wa Layla na Encyclopedia Iranica[2]
- ↑ Grotzfeld, Heinz. Cap II.4. in The Arabian nights in transnational perspective. Wayne State University Press, 2007[3]
- ↑ a b c d e Encyclopedia of Islam 3. Brill, 2007.[4]
- ↑ Naithani, Sadhana. Cap II.8. in The Arabian nights in transnational perspective. Wayne State University Press, 2007[5]
- ↑ a b Grotzfeld, Heinz. The manuscript tradition of the Arabian Nights in The Arabian nights encyclopedia, vol. 1. ABC-CLIO, 2004[6]
- ↑ a b Codenhoto, Christiane D. Resenha do Livro das mil e uma noites. Tradução de Mamede Mustafa Jarouche. Revista de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio. FFLCH, USP. 2006.[7]
Referências
- As mil e uma noites na Encyclopedia Iranica (em inglês)
- Anônimo. Las mil y una noches trad. para o espanhol de María Elvira Sagarzazu. Colihue Clásica, 2006. ISBN 950-563-023-9
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