Tempo em Setúbal

domingo, 7 de novembro de 2010

Setembro - seguido de Esperança - Pedro Barroso


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pmgomes65 | 26 de Março de 2009
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4orochimarusama | 4 de Maio de 2010
Música: Esperança  - Intérprete: Pedro Barroso
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Esperança
(Letra e música: Pedro Barroso)
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Se quiseres partir amanhã
eu paro o mundo
com facilidade assim
com esta mão
e então descobriremos
o mais profundo fundo que há no mundo
que é no irmos fundo às coisas
que há razão
de verdades consumadas me consomem
de falácias bem montadas me alimentam
mas meu filho, mora o reino do futuro
que é mais duro
e não vai ser com palavras
que o contentam
Se a morte lenta te rebenta sob a pele
a cada dia
e se no teu braço apenas sentes a força
de um cansaço organizado
mas manténs na tua fronte a dúvida
e o gosto pelo longe e a maresia
e se sentes no teu peito de criança
a alma de um sonho amordaçado
se quiseres partir amanhã
eu paro o mundo
com facilidade assim
com esta mão
e então descobriremos o mais profundo
fundo que há no mundo
que é no irmos fundo às coisas que há razão
(iste mundus furibundus falsa prestat gaudia
quia fluunt et decurrunt ceu campi lilia
Laus mundana vita vana vera tollit premia
nam impellit et submergit animas in tartara)*
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* retirado da versão original (séc. XIII) de "Carmina Burana".
(in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher", 1986)

28 Novembro 2007


Galeria da Música Portuguesa: Pedro Barroso



«...destinado a ser professor, tudo começou a tornar-se diferente quando o menino, embora bom aluno, demorava demasiado tempo contemplando o mar. Minucioso e atento, ficava pensativo olhando os casos, as paisagens e as gentes e escrevia tudo isso na memória do sentir, que é a arca onde se guardam as coisas cá de dentro.
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Muitos anos depois, nunca se fez gente como deve ser. Diz na cara o que não deve; habita refugiado no campo, fora dos locais recomendados; iconoclasta e truculento, vira-se com facilidade e ferocidade contra as mais palacianas injustiças; aos costumes diz o mínimo; intratável e teimoso; gordo, forte, generoso e intempestivo; gosta de sujar as mãos na terra e no barro; maneja a escrita perigosamente, como arma, como chama; e anda por aí, sem tino. Reformado prematuro, andarilho do sol e da amizade, percorre espaços infinitos e reconta. Reconta tudo, como se fosse a primeira vez.»

(Pedro Barroso, in "Cantos Falados", 1996)


Pedro Barroso, de seu nome completo António Pedro da Silva Chora Barroso, nasceu em Lisboa, a 28 de Novembro de 1950. Filho de António Chora Barroso, professor do ensino primário e depois do ensino técnico, monografista e poeta, e de Maria Fernanda Mattos Silva, professora do ensino particular, mal sai da Maternidade Alfredo da Costa, é levado para Riachos (no sul do concelho de Torres Novas), terra natal de seu pai que ali era professor (a escola secundária local enverga hoje o seu nome). Pedro Barroso, ribatejano assumido, conta: «A minha mãe tinha muito medo que eu nascesse em Riachos, um aldeia com muito poucas condições. Já tinha perdido um filho e, como menina de Lisboa que era, insistiu com o meu pai e lá nasci na capital. Sou para todos os efeitos ribatejano. Aliás, o único título que faço questão de usar é o de "ribatejano ilustre", que me foi concedido pela Casa do Ribatejo» (entrevista a Nuno Pacheco, in "Pública", 24.12.2005). E é em Riachos, junto ao rio Almonda, não muito longe da Golegã e do rio Tejo, que Pedro passa a primeira infância. Aos cinco anos de idade, muda-se novamente para Lisboa, onde o pai é colocado como professor (viria a ser Director da Escola Manuel da Maia, em Campo de Ourique, durante 16 anos). No entanto, a ligação do menino Pedro ao Ribatejo não é cortada: «Nessa altura havia uma coisa maravilhosa, importantíssima na formação da personalidade e da nossa própria memória, que eram as chamadas férias grandes. Que eram mesmo grandes: o meu pai tinha três meses de férias e depois havia o Natal e a Páscoa. [...] Eu que era o filho do senhor professor, um pouco mais estimado, tinha sapatos enquanto todos os outros à minha volta andavam descalços, isto há cinquenta anos. Brincávamos a esses jogos simples, que correspondiam a um contacto muito directo com a natureza, quase o "Émile, l’enfant sauvage", do Rousseau. Brincávamos com as cabras, trepávamos às árvores, apanhávamos figos, íamos para o campo apanhar melões, brincávamos no rio Almonda, que ainda era transparente nessa altura. É dessa vivência que eu nasço. Aprendi a guiar carroças porque me emprestavam as rédeas. Mas vim a descobrir anos mais tarde, quando fiz a atrelagem a sério, de desporto, que aquela mula já sabia seguramente de cor o caminho para casa. O homem até podia dormir a sesta e passar-me as rédeas para a mão que ela nunca iria parar a outro lado» (ibidem). Na capital, após concluir a instrução primária entra para o Liceu Passos Manuel que frequenta até ao 5.º ano (equivalente ao actual 9.º ano de escolaridade). Depois é matriculado no Liceu Camões, na alínea e), com a intenção de seguir Direito. No Liceu Camões é integrado numa turma de excelência onde tem professores de excelência como Mário Dionísio e Vergílio Ferreira. «Este último, que me ensinou a pensar e me marcou profundamente, dava aulas de Latim porque estava proibido de ensinar Literatura, onde, pensavam os senhores do regime, seria muito perigoso... Li todas as suas obras, a influência foi tal que até comecei a falar um bocadinho "axim", e continuo a pensar que o Prémio Nobel lhe foi sonegado. Mas isso são outros contos» (entrevista a Ribeiro Cardoso, in revista "Autores" da SPA, Outubro-Dezembro de 2004). Vem a concluir os estudos liceais no Liceu D. João de Castro, após o que passa alguns meses em França e Inglaterra, tendo ponderado em por lá ficar, para escapar à guerra colonial. Mas acaba por regressar, decorridos cinco ou seis meses: 
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.«Decidi regressar porque tenho um culto muito grande da pátria. Motivado pelo estudo da História e pela forma apaixonada como me foi dado. Tive professores exemplares, a começar pelo meu pai. Era um pedagogo em "full time" e, mesmo nas férias, estávamos sempre a aprender com ele. Ele olhava para um castelo e contava-nos a batalha que ali tinha ocorrido, como é que tinham resistido. E atrás desse castelo vinha a análise da torre que era cilíndrica... e como é que se determina a superfície de um cilindro? E o alcance das bestas para disparar as setas? Iam até cem metros. Quanto é cem metros? E também derramavam azeite quente sobre os invasores. Porquê? Porque ali havia oliveiras. [...] Era a chamada lição por centros de interesse: íamos visitar Marvão e acabávamos na Matemática, na História, na Geografia, tudo» (entrevista a Nuno Pacheco, in "Pública", 24.12.2005). Mas Pedro Barroso não virá a estudar História nem outro curso das chamadas Humanidades, mas Educação Física, ingressando, em 1969, no Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana). «O meu pai queria que eu fosse para Direito mas a minha escolha foi muito condicionada pela guerra colonial. Como não tinha desistido da experiência de Inglaterra e França, achava que uma aptidão em Educação Física era mais fácil de aceitar lá fora. Claro que o meu pai achou lamentável, ficou uns meses sem me falar, disse até que eu estava a tirar um curso de palhaço» (ibidem). Curiosidade: o seu estágio de entrada teve como monitor um aluno do 2.º ano, de nome Jesualdo Ferreira, hoje um conhecido treinador de futebol. Virá a licenciar-se em Novembro de 1973. Entretanto, desde 1970, já vinha desempenhando, funções lectivas no ensino oficial, começando pela Escola Preparatória da Parede a que se seguiu a Escola Manuel da Maia (Lisboa). Posteriormente passará por outras escolas secundárias – Veiga Beirão (Lisboa), Maria Lamas (Torres Novas), S. João do Estoril (Estoril) e Maria Amália Vaz de Carvalho (Lisboa) e também pelo ensino particular: Externato D. Luísa Sigea (Estoril) e St. Julian’s School (Carcavelos). No Liceu de S. João do Estoril é, durante alguns anos, colega de Carlos Queiroz, futuro treinador de futebol. Entre 1976 e 79, é professor no Ginásio Clube Português, onde introduz e lecciona a classe de Expressão Corporal. Em 1988 tira uma pós-graduação em Psicoterapia Comportamental, no Hospital Júlio de Matos, após o que é convidado pelo Dr. Luís Gamito para integrar a equipa de Aptidões Sociais por ele liderada, e onde permanecerá durante dois anos. Em seguida, é professor de uma turma experimental de surdos na Escola Secundária da Quinta de Marrocos, em Lisboa. Nesta área do ensino especial, Pedro Barroso foi um pioneiro em Portugal, a exemplo do que já acontecia na Alemanha onde se faziam sessões musicais em órgão para surdos (apesar de não ouvirem, os surdos sentem as vibrações que os instrumentos provocam nos soalhos de madeira e objectos ao redor). Em 1993, após 23 anos de actividade docente, Pedro Barroso abandona o ensino para se dedicar inteiramente à vida artística, tendo como ancoradouro a sua casa de Casal da Raposa, em Riachos. A par do trabalho de criação poético-musical e da agenda de concertos, passou também a dedicar-se à pintura, ao desenho e à escultura, enquanto "artista plástico amador", como ele próprio se define, e «que cultiva como quem levanta a cabeça da pauta e dos teclados e descobre um mundo fascinante que não se descreve, apenas se respira e nos transcende». Segundo Pedro Barroso, tal inclinação para as artes visuais muito se terá devido ao «convívio íntimo, especial e privilegiado com o Mestre Martins Correia, de quem fui amigo, discípulo e confidente durante muitos anos. Esse conviver com tal genialidade marcou-me para toda uma opção estética de vida». Assinando a obra plástica com o nome de Pedro Chora, expôs até hoje na Galeria Fonte Nova em Lisboa (1989); em duas Mostras Colectivas, em Riachos (1993 e 2000), na Galeria Municipal da Chamusca (1993), na Galeria Municipal de Abrantes (2004), no Museu do Trabalho de Riachos (2005) e no Museu do Vinho da Anadia (2007).
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Mas voltemos ao seu início da sua carreira como artista de palco. Ainda no liceu, começa a compor algumas canções inserindo-se no movimento estudantil da época e a dar os primeiros passos no teatro. Pedro Barroso lembra: «Tinha aí uns 14-15 anos. Foi engraçadíssimo: um dia ouvi na rádio a Odette de Saint-Maurice a anunciar que aceitava jovens para fazer teatro radiofónico e não estive com meias medidas: apresentei-me nos estúdios de S. Marçal, ofereci-me, a senhora disse-me logo "sim senhor, espera aí que mal acabe a gravação deste senhor vais fazer um teste e depois logo se vê". Aquele senhor era nem mais nem menos o Rui de Carvalho. Espantosamente, passados quinze dias, a minha mãe espantada, chama-me: "Estão ali ao telefone da Emissora Nacional, querem que vás lá"». Foi e ficou até Odette de Saint-Maurice terminar a sua colaboração com a emissora. Ali cruzou-se com futuros actores tão conhecidos como Vítor de Sousa, Carlos Paulo ou João Mota.
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A sua estreia pública no mundo da música acaba por acontecer na televisão, em Dezembro de 1969, no lendário programa "Zip Zip", apresentado por Raul Solnado, José Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Com acompanhamento de Pedro Caldeira Cabral (guitarra portuguesa) e Fernando Alvim (viola), canta aí três canções: "Canção de Amiga", "Trova-dor" e "Pedido de Menino". A letra desta última teve de ser alterada à última hora, por causa da Censura. O cantor recorda: «Eu andava no INEF e já fazia canções que falavam de coisas várias, entre as quais contra a guerra colonial. Fui convidado a ir ao programa e nunca mais parei. Aliás nessa primeira aparição pública, que teve grande impacto, aconteceu até uma coisa muito interessante e curiosa... Depois do ensaio, aí uns dez minutos antes do programa começar, o Zé Fialho chamou-me e disse-me com ar zangado ainda que pouco convincente: "Oh pá, vocês são lixados, só inventam destas coisas, só escrevem contra a guerra colonial, não têm cuidado, e depois isto não passa, a censura corta e eu é que me lixo. Temos que ser mais inteligentes". Em três ou quatro minutos mudei uns versos – "na selva a lutar" para "na vida a lutar" e "a mina que o há-de vir queimar" para "a menina que o há-de vir a amar" – a mensagem, pensava eu, continuava lá, ainda que mitigada, mas a verdade é que transformei uma canção de protesto em canção de amor... O Mário Castrim, no dia seguinte, deu-me uma grande porrada e fez a previsão de que eu não iria aguentar muito tempo nestas lides. Enganou-se e isso deu-me muito gozo: fiquei, levei a música a sério e transformei a minha vida a partir daquele momento» (entrevista a Ribeiro Cardoso, in revista "Autores" da SPA, Outubro-Dezembro de 2004). No ano seguinte, Pedro Barroso grava o seu primeiro disco, um EP de título genérico "Trova-dor", onde inclui os três temas estreados no "Zip Zip" e um inédito, "Toada da Vida". A edição do disco coincide com o ingresso no Teatro Experimental de Cascais onde, até 1974, colabora como actor, músico e cantor em várias peças encenadas por Carlos Avilez, contracenando, entre outros, com Augusto Figueiredo, Santos Manuel, Zita Duarte, João Vasco, Mário Viegas e Eunice Muñoz. «O Avilez precisava de actores que cantassem e foi procurá-los à lista dos baladeiros. O contacto com o teatro foi muito importante para mim, e ainda hoje me ajuda a estar em palco» (ibidem). Entre as peças em que participou contam-se "Fuenteovejuna", de Lope de Vega, "Sotoba Komachi", de Yukio Mishima, e "Breve Sumário da História de Deus", de Gil Vicente. Nesta última colaboraram também José Jorge Letria, Lídia Rita e o cantor António Macedo, que decidem editar um EP colectivo com o mesmo título da peça, "Breve Sumário da História de Deus" (Sassetti, 1971). Pedro Barroso contribui para o disco com "Vilancete de Abel", participando também nos coros de outros temas, entre os quais "Hino dos Encarcerados". Numa altura em que as prisões estavam a abarrotar de presos políticos, este tema, da autoria de José Jorge Letria sobre poema de Gil Vicente, seria o principal motivo para a proibição do disco, que se vendia à socapa no próprio TEC. «O disco foi a mais rápida apreensão da PIDE. Deram ordens ao Governo Civil que era, e ainda é, ao lado da Rádio Renascença, onde estava na cabine o saudoso Rui Pedro e foi apreendido em 10 minutos...», lembra Pedro Barroso. Dirige também actividades e lecciona no Orfeão Académico de Lisboa, nos grupos de música e de teatro, onde tem como colega Jorge Matta, futuro maestro, e como instruendo Jorge Coelho, hoje político.
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De 1974 a 1976, cumpre o serviço militar na Armada como oficial especialista com a patente de subtenente. Na Escola de Fuzileiros, desempenha as funções de Chefe de Serviços de Educação Física. O artista recorda: «Os melhores alunos das faculdades iam para a Reserva Naval. Fiquei eu, e mais dois, a dar instrução preparatória cá para os contingentes que iam para África. Jogámos o lugar aos dados e perdi: fiquei com o pior, a Escola de Fuzileiros que era longe (eu vivia na Parede), mas pelo menos não fui parar à guerra propriamente dita. Até porque eu entrei em Fevereiro de 1974 e pouco tempo depois dá-se o 25 de Abril» (entrevista a Nuno Pacheco, in "Pública", 24.12.2005). «Impressionaram-me muito os submarinos, pois sou claustrofóbico. Sagres que visitei durante dois dias, é um ex-libris de beleza inesquecível». E o Sacro Promontório, como Camões lhe chamou, será mais tarde evocado por Pedro Barroso em algumas das suas canções.
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Edita os singles 1.º de Maio/Medicina Social (Valentim de Carvalho, 1974) e Canção Urgente/Pastilhas da Reacção (Valentim de Carvalho, 1975), de vincada intervenção social e política.
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Viviam-se então os tempos do PREC, e Pedro Barroso participa nas campanhas de dinamização cultural, organizadas pelo MFA (Movimento das Forças Armadas). Integra também a FAPIR (Frente de Artistas Populares e Intelectuais Revolucionários), com sede no Teatro da Comuna e, desenvolve intensa actividade na Era Nova, uma cooperativa de espectáculos, onde também estavam José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto, José Mário Branco, entre outros. Trinta anos depois, Pedro Barroso recorda essa fase de intensa actividade cívica e artística: «Difusa no tempo ainda conservo a memória dessa fúria. Era um tempo bonito de viver e acreditar. Convidavam-me e eu partia. Cheirava-se o campo nas canções. Cooperativas e associações. Gente generosa e calejada, tentando ordenar as vidas. Acreditava-se que a amizade, a solidariedade e generosidade seriam eternas. Lembro vagamente a semente indelével de uma vida estampada nos palcos improvisados. Talento – o que houvesse – seria desbaratado perdidamente por um país sedento de cultura. Um país insólito e esquecido, ainda hoje tão por descobrir. Actuei em sítios onde nunca se vira um microfone. Noutros, graças a geradores, onde não havia luz sequer. É uma história imensa que fica por fazer. Um dia se houver justiça e tempo, se poderá e deverá investigar melhor a forma desarrumada e breve, intensa e imperiosa que mascarava a raiva de lutarmos com armas desiguais». E acrescenta: «Tínhamos talvez um factor positivo – a Rádio e a TV passavam os cantores portugueses. Vá lá... valha-nos isso. Foi um tempo de uma infância musical infinda. Bonita e sã. Provavelmente, hoje sabe-nos a pouco. Mas na época era tanto – era tudo o que pudemos e soubemos construir, face às condições e ao tempo sobressaltado que nos davam para fazer música e poesia. [...] Porque aqueles não foram tempos normais, vividos na acalmia de uma vivência nacional tranquila, em que pudéssemos fazer composição académica. Aprendemos muito essencialmente uns com os outros, quando saíamos, em bando por aí fora. A rua e o mundo chamavam-nos dia sim, dia não. Partíamos muitas vezes em troca de nada. Raramente tivemos apoios institucionais, eram tempos em tudo era instintivo e puro. Genuíno. Convidavam-me para ajudar a ambulância nova dos Bombeiros; para ajudar aquela miúda que tinha leucemia e não havia dinheiro. Tantas coisas assim. E eu fui, amigos. Fui sempre. E cantei e toquei. E fiz sempre o que achei justo, correcto e bom. E voltava para dar aulas, trôpego com sono, na segunda-feira».
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Testemunho desse activo empenhamento cívico e político é o LP "Lutas Velhas Canto Novo" (Sassetti, 1976), que apesar disso não se reduz a um disco de simplistas canções panfletárias. Mário Correia, fala assim desse primeiro álbum de Pedro Barroso: «"Lutas Velhas Canto Novo" introduz-nos um autor diferente do que nos era dado ouvir: musicalmente mais complexo, menos directo e circunstancial nas palavras, pesquisando grandes espaços sonoros, por vezes quase epopeicos/sinfónicos, a inserção de um canto que mais tarde, se viria a revelar profundamente ligado à terra» (in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984).
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O disco é composto por 10 temas, assim alinhados: "Lutas Velhas Canto Novo", "Autobiocantiga", "Canção da Ti, Angelina", "25 de Novembro", "O capital tem mil caras", "As pombinhas da Cat’rina", "Sai um voto puladinho", "Os caciques e o povo trabalhador", "Hino dos explorados" e "Canção Longe". Com poemas, composições e direcção musical de Pedro Barroso, o elenco de instrumentistas é formado pelo próprio Pedro Barroso (viola e percussão), José Luís Iglésias (violas), Guilherme Batum (percussão), Pedro Osório (acordeão e piano) e Carlos Alberto Moniz (viola).
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Em 1978, sai o LP "Água Mole em Pedra Dura" (Sassetti), gravado no ano anterior por José Manuel Fortes nos estúdios da Rádio Triunfo. Todos os poemas são assinados por Pedro Barroso, à excepção de dois: "Nasce Afrodite Amor, Nasce o Teu Corpo" (José Saramago) e "Homem Dum Só Parecer" (Sá de Miranda). Com música de Pedro Barroso, e orquestrações partilhadas com Sílvio Pleno, a execução instrumental é do próprio Pedro Barroso (violas), José da Ponte (viola baixo), António Chaínho (guitarra portuguesa), Raul Mendes (harmónica), Rui Cardoso (flautas), Eduardo Falé (bateria), Pedro Caldeira Cabral (cistres, alaúdes, raquetes, orlo, guitarrilha) e o naipe de cordas da Orquestra Gulbenkian dirigido por Sílvio Pleno. Apesar do circunstancialismo de alguns temas, o disco contém outros perfeitamente intemporais e com excelentes arranjos e execuções instrumentais, de tal modo que ainda hoje se ouvem com muito agrado. É o caso de "E Assim Não Há Poema Não", "Nasce Afrodite Amor, Nasce o Teu Corpo", "Cantar É", "Homem Dum Só Parecer" (num belo arranjo de sabor medievo-renascentista, de Pedro Caldeira Cabral) e "Josezito". Em nota apensa à edição em CD, de título "Cartas a Portugal" (Strauss, 2000), Pedro Barroso escreve: «Relevo aqui o trabalho conjunto com o Pedro Caldeira Cabral, o Maestro Sílvio Pleno, a actualidade das palavras de Sá de Miranda e o companheirismo de José Saramago. Ninguém diria então que viria a tornar-me neste disco co-autor de um Prémio Nobel, o que hoje me honra sobremaneira. Trata-se, com efeito de uma parceria que prova – mais de vinte anos antes dessa distinção pela Academia Nobel – que eu já tinha descoberto que ‘o homem’ sabia escrever... Guardo dessa tarde de trabalho de que saiu o tema "Afrodite", primeiro a surpresa dele pela escolha, depois a total disponibilidade, colaboração e abertura do José Saramago para todas as pequenas coisas a alterar».
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No tocante a discos, grava em 1980 o single "Canção ao Rio Almonda"/"Ferrel". Ambos os temas versam questões ambientais: o primeiro denunciando o tradicional problema de poluição do rio Almonda causado pela indústria de curtumes e o segundo contra a central nuclear que pretendiam construir em Ferrel, no concelho de Peniche. No ano seguinte, Pedro Barroso participa com a "Canção ao Rio Almonda" no Festival Menschen und Meer, em Rohrstock (RDA), e arrebata o prestigiado Troféu Karolinka, para a melhor interpretação.
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"Quem Canta Seus Males Espanta", o seu terceiro álbum a solo, com chancela da Sassetti, sai em 1980 e assinala um amadurecimento significativo na criação do autor/cantor. Diz Mário Correia: «Nesses cantos da terra, amor, trabalho e homenagem são variadas as coordenadas de reflexão temática de Pedro Barroso. Com efeito, essa multiplicidade de propostas (convergentes num dado projecto global de crítica social), ressalta mesmo da audição menos atenta e constitui um dos principais factores atractivos do álbum – a defesa dos valores culturais populares do passado (presente) como o calão de Mira d’Aire e o minderico ("Ai o Tempo"); a música da rua, produzida por homens dos bairros pobres para garantir a sobrevivência ("O Acordeão"); o pensamento de base ecológica ("Salvar Terra"); glosa do que rodeou, em termos de dor humana a exploração, a guerra colonial ("Maria Mal-Amada"); o canto em jeito de "canção cigana à ralé, à fibra e à garra dos bons marginais do meu país" ("Quem Canta Seus Males Espanta"); incidência sobre o amor fraternal humanizado ("Canção Semente"); a reflexão sobre a Reforma Agrária como uma realidade de luta, terra, amor trabalho e homenagem ("Pão de Pedras"); [o hino ao amor como forma de redenção ("Palavras a Uma Coisa Amor")]; a homenagem a Jacques Brel ("La Foire"). De salientar a recusa em todos os textos, do fácil e do imediato, da frase carregada; Pedro Barroso equaciona situações, observa factos, regista impressões e fixa clamores de luta, desespero, raiva e esperança. Menos imediatista, mais profundo. Do ponto de vista musical, destaca-se uma maior maturidade na definição das melodias e na construção dos ritmos, paralelamente a um inspirado partir das raízes da música popular portuguesa» (in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984).
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Os poemas e as composições são assinados na totalidade por Pedro Barroso, sendo a direcção musical e os arranjos partilhados entre o autor e Eduardo Paes Mamede. Além de Pedro Barroso (violas, caixa, vozes, percussão e bombo), colaboraram neste disco uma plêiade de reputados músicos: Carlos Augusto (violas), Luísa Vasconcelos (violoncelo), António Oliveira e Silva, creditado como António Oliveira (viola de arco), António Serafim (oboé), Carlos Franco e Eduardo Paes Mamede, creditado como Ed (flautas transversais), Leonardo Barros (contrabaixo), António Ferro (baixo), Manuel Mergulhão (bateria), A. Nelson e R. Gomes (trompetes), C. Coutinho e H. Campos (trombones), Luís Represas, creditado como Luís Paulo (bandolim e cavaquinho), Pedro Osório (piano e acordeão), e ainda Cândida, Bi e Cris do Públia Hortênsia (vocais).
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O LP seguinte, "Cantos à Terra-Madre" (Rádio Triunfo, 1982), é, como o título deixa antever, um álbum profundamente telúrico e, por isso mesmo, o que apresenta uma componente etnográfica mais vincada. O que aliás está em perfeita consonância com a actividade que Pedro Barroso desenvolvia ao tempo: pesquisa na área dos estudos etnomusicais, autoria e realização de programas de rádio ("Musicantes", na RDP-2, de 1979 a 81) e de televisão ("Musicarte", na RTP-1, em 1982 e "Tempo de Ensaio", na RTP-1, em 1988), com o nobre intuito de chamar a atenção para a importância do património musical de matriz tradicional, não raramente vítima de desprezo das cátedras e encarado como coisa culturalmente inferior.
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A música tradicional e a música erudita sempre se influenciaram mutuamente e Pedro Barroso, partindo das suas pesquisas etnomusicológicas, mas nunca abdicando da sua criatividade pessoal, dá neste disco um contributo muito original na exploração dessas pontes. O elenco de músicos e instrumentos é exemplificativo dessa opção estética: Pedro Barroso (concertina, harmónica bocal, violas, cavaquinhos, adufes e bombo), António Chaínho (guitarra portuguesa), António Veríssimo (sapateado e ferrinhos), Carlos Augusto (violas de 6 e 12 cordas), Carlos Alberto Moniz (violas), Luís Sá Pessoa (violoncelos), Miguel Sá Pessoa (piano), Pedro Osório (piano, acordeão, caixa), Samuel e Henrique Marques (trancanholas "gémeas" - por serem gémeos...) e Zé Calhau (flautas e bombo).
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Tal como já fizera com José Saramago, Pedro Barroso volta a musicar um dos nossos poetas maiores – Cesário Verde, no tema "O Ramalhete Rubro das Papoulas", que conta com um belo arranjo de flauta transversal, violoncelo e guitarra portuguesa. "Cantar Brejeiro", um tema de cariz mais imediatista, em ritmo de chula minhota, que abre o alinhamento, tornar-se-á um dos maiores êxitos do cantor. Do disco merecem ainda destaque: "Concerto para Esperança e Orquestra", em que o maestro Pedro Barroso dirige uma naipe de instrumentos solistas e gente; "Cantarei", uma espécie de testemunho de vida e de arte: «fiz-me andarilho a cantar / cantei noite cantei dia / canções do meu inventar»; "Pela Vida, Companheiros" e "Tanta Gente", dois temas de temática ecologista, numa altura em que o futuro do planeta estava longe de estar na ordem do dia, pelo menos em Portugal; e "Avessada", uma belíssima composição para guitarra clássica, violoncelo e flauta, baseada numa antiga melodia de embalar que a trisavó lhe entoava na idade do berço.
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Mário Correia escreveu assim sobre o disco: «Síntese do múltiplo na procura do uno na diversidade é o álbum "Cantos à Terra-Madre" através do qual Pedro Barroso agarra na música tradicional para elaborar uma proposta musical digna de toda a atenção. Esta obra corresponde às palavras do seu autor, "reformular-se, revoltar-se, abrir-se, renovar-se e envelhecer. Amadurecer em anos de perseverança difícil e de saudade". Crónicas da terra – os balhos da eira dos avós, o fandango ribatejano, os cantares de acusação e aviso, o dialecto minderico e a amostra de que a "música clássica e a agrária não estão assim tão distantes uma da outra como isso" – que Pedro Barroso interpreta, num diálogo "com o amor que da terra vem e à terra regressa connosco nos olhos e ouvidos, em corpo e fantasia"» (in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984).
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Em 1983, surge "Do Lado de Cá de Mim" (Rádio Triunfo), um trabalho na linha de "Cantos à Terra-Madre" mas, e fazendo jus ao título, explorando também um tom mais intimista, prenúncio da postura estética que o cantor assumirá de forma exímia em álbuns posteriores. Pedro Barroso explicita: «Se, por um lado, assumo o som português – a chula, o corridinho, os malhões, etc. – também procuro fazer a música que me agrada; tenho a estrada suficiente para emitir opinião do ponto de vista étno-social; o cantor de eira aparece, nos recitais, cruzado com devaneios intimistas que falam de mim». Exemplos desse lado mais intimista, que mais que ser egotista interpela o ouvinte, são: "Balada do Desespero" que termina inesperadamente com Fernando Correia a relatar uma jogada de futebol que termina em golo, em jeito de sublime ironia, como se numa bola a entrar numa baliza residisse a suprema realização espiritual/cultural de tantas e tantas existências banais e sem rasgo; e "Canção para Regressar", uma balada de terna esperança "para ouvir à lareira num dia frio". Destaque ainda para "Anarcristos I e II", duas reflexões sociológicas sobre o Portugal profundo, numa altura em que a visita do papa João Paulo II servia para disfarçar e mitigar a crua realidade sócio-económica de um país onde os sonhos trazidos com o 25 de Abril de 1974 ainda estavam por realizar: a primeira tendo como pano de fundo o interior ignorado e esquecido, e a heroicidade da gente anónima que aí labuta e não desiste, personificada no pastor José Jerónimo Rodrigues, da herdade de Camões, no concelho de Avis (Alto Alentejo); e a segunda sobre o obscurantismo/charlatanismo religioso exemplificado na Santinha da Ladeira (curiosamente, nascida em casa dos avós paternos do artista). Deste álbum, dois temas alcançariam grande sucesso: "Ai Consta", em ritmo de chula, e "Viva Quem Canta", este um eloquente testemunho do cantor-poeta da portugalidade: «Viva quem canta / Que quem canta é quem diz / Quem diz o que vai no peito / No peito vai-me um país / [...] Para quem canta por cantar / Pouco mais se pediria / Mas quem canta p’ra sentir / P’ra explicar-se e p’ra ser / Pensem só quanto haveria ainda por dizer».
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Os poemas, as composições e a direcção musical são assinados por Pedro Barroso, e a execução instrumental é do próprio Pedro Barroso (viola de 6 e de 12 cordas, percussão, concertina, bombo, cavaquinho, pandeireta, caixa, adufes), Pedro Fragoso da Silva (piano, viola braguesa), Luís Sá Pessoa (violoncelo), Zé Calhau (flautas), António Chaínho (guitarra portuguesa) e Carlos Augusto (violas). Referência ainda para a participação vocal do Cramol-Coro da Biblioteca Operária Oeirense.
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Nas palavras de Mário Correia, o disco «é um dos trabalhos mais expressivamente intimistas de Pedro Barroso, através do qual se confronta com uma realidade que ora o desanima ora o empolga, facto que se reflecte na evolução rítmica dos temas apresentados». E Mário Correia acrescenta: «Pedro Barroso é aliás um dos casos mais inesperadamente interessantes e produtivos da nossa música popular: sempre à procura de uma especificidade caracterizadora em constante construção, revela-se um talento inegável de fazedor de melodias e um animador de ritmos diversos, reflectindo na música uma sede de globalidade criativa. Atento à realidade que se esforça por compreender e "alterar", Pedro Barroso é uma analista crítico e interventivo, por vezes directo e contundente, um dos mais libertos e fogosos criadores da "geração dos cantores de quilometragem generosa que continuam a recusar a efémera moeda de troca de ser vedeta pela traição do esquecimento das coisas fundamentais"» (in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984).
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Segundo Viriato Teles, "Do Lado de Cá de Mim" é um «disco onde se fala de gente igual à gente, realidades incómodas, interrogações e angústias cada vez mais dolorosas. No fim de contas, são estas as coisas de que vale a pena falar, ainda que doa».
Em 1984, grava o LP "Cantos da Borda d’Água", sob a supervisão do técnico de som Rui Remígio, novamente percorrendo os trilhos de "Cantos à Terra-Madre", agora circunscrito à região ribatejana, mas com um evidente salto qualitativo nas componentes poética e musical. Pedro Barroso assina a totalidade das letras e composições e ainda a produção, direcção musical e orquestração. Com arranjos de Pedro Barroso e de todos os músicos, a execução instrumental esteve a cargo de Pedro Barroso (violas e percussão), Pedro Fragoso da Silva (braguesas, piano, viola e guitarra portuguesa), Ana Mafalda (contrabaixo), Cristina Coelho (violoncelo), Abel Moura (acordeão), Ferreira da Costa (oboé) e Zé Calhau (flauta transversal e percussões).
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O alinhamento é composto por nove faixas: "Aurora – Tema / Poema"; "Menina dos Olhos d’Água"; "Eu Hei-de, Meu Bem, Eu Hei-de"; "A Dança da Feira"; "Romance de Almeirim"; "A Ida ao Mercado"; "Fado da Charneca"; "Setembro"; e "Requiem". Nota especial para a bela prestação vocal de Vera Quintanilha (então um dos elementos do grupo Rosa dos Ventos, de José Medeiros) no tema "Romance de Almeirim" e para o rico contributo do Choral Phydellius de Torres Novas em "Aurora" e "Requiem", duas peças instrumentais/corais de rara beleza em que Pedro Barroso nos mostra a sua faceta mais sofisticada e erudita de grande autor/compositor. Um desses temas, "Aurora", termina com a recitação de um belo poema do próprio cantor pelo actor Mário Viegas, curiosamente um natural das terras de Borda d’Água, mais precisamente de Santarém, e que Pedro Barroso conhecera no Teatro Experimental de Cascais. A canção "Menina dos Olhos d’Água", que se tornaria o seu ex-libris, seria distinguida pela revista "Eles e Elas" (dirigida por Luz Bragança), em 1986, com o prémio de melhor canção do ano.
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"Cantos da Borda d’Água" é, sem dúvida alguma, um belo disco de música popular portuguesa, resultado do natural aprimoramento artístico do autor e compositor. Pedro Barroso fala assim a propósito do álbum: «Não desejo ser com este trabalho um regionalista. Falta-me a vocação, o hábito e a paciência. A minha pátria é o mundo, até onde eu consiga chegar em corpo ou espírito, tanto faz. E contudo. Compete-me denunciar à minha volta – já aqui trabalho e descanso e vivo e sinto e me emociono – que o Ribatejo não é a tradicional zona híbrida de folclore aparentemente influenciado pelo Norte, Sul e Litoral e onde pontificariam, ao que parece, um exclusivo de homens valentes e mulheres omissas. Eles sempre nos cornos do touro, elas... talvez amarradas ao fumeiro, quem sabe? Recuso, pois, esse Ribatejo pimpão do olé oco e da marialvice balofa, altaneira por não se sabe que condão, autocracia do orgulho pelo orgulho, sem rede nem razão. Há com efeito, julgo prová-lo neste trabalho, um Ribatejo doce que nos evoca cantares da eira, enlevos amorosos de antigamente, romances perdidos nos campos da Golegã, as saudosas águas límpidas do Almonda, as cheias da tragédia na Ribeira e no Reguengo, o aluvião da riqueza nos mouchões da lezíria, as paisagens de encantar desde a História do Almourol aos campos de Coruche, água sempre, mesmo já onde não se esperaria, garridice e doçura que encantam e comovem, e os fandangos da saudade, as danças da feira, os fados da charneca, os ‘chotice’, muito provavelmente ‘sôttise’, dançados pela soldadesca de Junot com as mais variadas moçoilas de 1808, – e os dialectos perdidos nas Serranias de Aire ou seja, um mundo de coisas para lá do colete e pampilho do prospecto turístico e simplista».
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Em meados de 1986, é lançado "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher", gravado em Janeiro e Fevereiro do mesmo ano, nos Estúdios Namouche (Lisboa), por João Vaz de Carvalho e Jorge Barata. Como se pode inferir do título, trata-se de um trabalho tematicamente orientado por duas grandes directrizes – a portugalidade e o feminino. O alinhamento é constituído por 9 temas: "Água", "Cidade", "Companheira", "Lua", "Terra", "Noite", "Bonita", "Pátria" e "Esperança" (este último rematado com um excerto em latim da versão original de "Carmina Burana" à poema ao fundo). Curiosa a particularidade de todos eles serem designados por uma única palavra e feminina. «Este trabalho está extremamente ligado ao feminino ou, se se preferir, a elementos femininos como sejam a terra, a água, a companheira... de resto muito do que é fundamental para a nossa vida é feminino» (in "O Diário", 13.06.1986). O disco representa também a afirmação de uma nova fase no ciclo criativo de Pedro Barroso. Com este registo, o autor/compositor/intérprete abandona a postura mais popular e imediatista que caracterizara alguma da sua produção anterior e envereda por uma via de maior profundidade e exigência poético-musical, que jamais abandonará e que o torna uma das raras vozes da nossa terra que falam de coisas importantes, que nos interpelam e que nos fazem pensar. Num meio musical dominado por oportunistas e charlatães que encaram a música como uma forma de ganhar dinheiro como outra qualquer, deve assinalar-se e enaltecer-se a honestidade artística e intelectual de Pedro Barroso e a sua assumpção de consciência moral e crítica num país entorpecido e tolhido, envergonhado de si mesmo e incapaz de aproveitar o melhor legado do passado para enfrentar o futuro. "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher" não é apenas um dos melhores trabalhos discográficos de Pedro Barroso – é uma obra-prima da música portuguesa. E no ano de 1987, Joaquim Letria, então apresentador do programa "Directíssimo" (RTP) soube reconhecer isso mesmo atribuindo-lhe justamente o Prémio Directíssimo para melhor disco do ano. Com poemas, composições, arranjos, direcção musical e produção executiva de Pedro Barroso, participam na execução instrumental o próprio Pedro Barroso (viola beiroa, tímpanos, vibrafone, viola e reco), Abel Moura (acordeão), António Chaínho (guitarra portuguesa), Catarina Latino (flautas barrocas), Guilherme Inês (caixa de ritmos e pandeireta), João Nuno Represas (percussões), José Carlos Gonçalves (violoncelos), Pedro Fragoso da Silva (bandolins, piano, viola campaniça e órgão), Rui Luís Pereira "Dudas" (viola e viola de 12 cordas), Sérgio Mestre (flauta transversal) e Zé da Ponte (baixo eléctrico). Os coros têm a assinatura do Coro de Santo Amaro de Oeiras, sob a direcção do próprio Pedro Barroso.
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Pedro Barroso apresenta assim a sua proposta discográfica: «...Envoltas nos nevoeiros do conhecimento me surgem, ora claras ora difusas, roupagens de uma Pátria que proclamo e reclamo e não responde. É um eco perdido de Adamastores de glória que soçobra a cada trato menos nobre, a cada trejeito e arremedo estrangeirado. São o colete de Deuladeu, o gibão do Épico, a armadura do Lidador que me contemplam. E eu na praia espero, com uma raiva grande de Futuro, provir da Portugalidade que já tive. Sem malícias nacionais mas com fremência me transtorna e apoquenta esse mar de aventuras de longe e maresia. Ser português hoje terá que ser reviver memórias, acreditar capacidades e bombardear o Futuro. E amar demais, como pertence. Por isso me estendo nas salsas ondas do corpo, Pátria-Mulher. Vivi mil aventuras coloridas no escorregar de veludo ao ver-te, ao amar-te e possuir-te. Tive-te muito, tanto, tantas vezes. Olhei-te como quem olha a tempestade e a cólera, com a suprema sagacidade que o tempo e a História nos conferem. Desdobrei-me em mil amores, furtivas e abertas histórias onde declinei com excesso todos os verbos de gostar tanto, de rasgar tanto, de sofrer tanto pelas dilatadas razões da carne e da grei. Hoje fico sossegado no rimanço deste pouso e, despidas ao espanto e à memória, vos ofereço estas Roupas de Pátria, Roupas de Mulher».
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"Pedro Barroso" é o título genérico do LP que, com chancela da Transmédia, é editado em 1988. O autor continua a centrar-se nas temáticas que lhe são caras: o amor e a mulher ("Anúncio Confidencial", "Música de Mar", "Tem Dias"), o sonho como lema de vida ("D. Sebastião", "Estrela d’Alva"), um fresco do quotidiano onde se vende "o lixo do luxo" ("Feira da Ladra"), a amizade e a fraternidade ("Balada a Deuladeu"), a portugalidade ("Diz-me o que é ser português", com letra e música de Luís Maduro). Completam o alinhamento dois temas instrumentais: "Abertura" e "Nocturno", no início e no fecho, respectivamente.
Os poemas e as composições são da autoria de Pedro Barroso, salvo onde indicado em contrário. Com direcção musical e produção também de Pedro Barroso, no elenco de instrumentistas contam-se Pedro Barroso (violas, caixa, bombo, metalofone), José Carlos Gonçalves (violoncelo), António Chaínho (guitarra portuguesa), Pedro Fragoso (piano, viola campaniça, guitarra portuguesa), Ana Paula Tavares (gaita-de-foles), Carlos Carlos (acordeão), Zé Calhau (flauta transversal) e Gonçalo Lacerda (viola).
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Pedro Barroso apresenta assim o disco, em tom de fina ironia: «Deuladeu Martins – mulher de outros séculos e outras guerras – amassou e ofereceu, com o coração na garganta, o último pão aos sitiantes [da vila de Monção], os quais, perturbados com esse alarde de súbita fartura de quem era suposto estar mais faminto do que eles, levantaram cerco. Eu, porém, não possuo bens tão concretos como o pão para distribuir. Apenas aqui vos deixo, como sempre, estes bordados de alma, cantos da terra e do mar, esperas sebastiânicas, portugalidades desregradas, cantos da eira, namoros brejeiros, visões da maresia. Pouco alimento, portanto. Donde o cerco continuará. Aliás, falei ontem mesmo com o futuro e diz que o rio Tejo ainda não chegou.»
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Infelizmente, o álbum ainda não foi transcrito para CD, pelo que faço questão de lembrar a quem possui a matriz para a importância cultural de ser reeditado.
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Em 1990, surge o soberbo "Longe d’Aqui", em edição da Discossete. O disco é orientado por um grande vector – a portugalidade –, pondo em confronto um passado em que fomos grandes e um presente mesquinho e pequeno, afinal uma reflexão crítica sobre o que podíamos ser mas não somos, muito por culpa da prevalência de poderes e interesses que fazem do país uma terra farta para alguns e madrasta para muitos. Pedro Barroso explica-se: «Este trabalho tem um tema geral, o ir e o voltar, a eterna aventura de ser português. Portugalidade que se percorre tanto no dia-a-dia atávico e sem horizontes, como na distância que se sofre num viver de emigrante, às vezes dentro de si mesmo. Depois de tantas histórias que nos deram sempre como heróis e santos, procura também admitir-se – eventualmente tolerar-se... – os erros de uma saga que nem sempre foi pura e desinteressada. Que foi cruel, impiedosa, altaneira, mas, apesar de megalómana, singelamente redutora, numa entronização sebastiânica da espera e das pequenas soluções de compromisso. Estar aqui ou "Longe daqui" é o dilema proposto. Assumindo a História, o Império, a tirania, mas também a prodigalidade, o doce desregramento e a emoção. Acompanhada, é claro, pela eterna sedução do improviso. Gostando muito de ser português, mas muito crítico face à demora de uma saga que houvera de ser colectiva e não apenas de alguns eleitos. E a aventura de viver hoje, bem mais difícil que o cruzar dos mares. [...] Isto é, um ambiente onde o gesto é tudo e a gesta muito pouco. Por tudo isso, se me perguntarem hoje, onde estou, para onde vou e de que me alimento, a resposta surge – longe daqui. E tenho de ir buscar diariamente à nossa História a alma vertical para poder continuar. E ao sonho impossível da doce e laboriosa utopia de São Nunca. Se me perguntarem também onde moro, a resposta continua simples. Moro em demanda permanente do Santo Graal entre os castelos de Deuladeu e as Áfricas de Prestes João, entre o absoluto dos corpos e o dissoluto das almas. Entre os gelos da Antártida e os calores do deserto. No país do espelho, onde habita a Grei. Lá, no sítio onde o último tabu se estabeleceu e decidiu construir família. É aí que moro. Por isso, amar mais e diferente. Viver mais e diferente. Exigir mais e diferente. E lembrar os heróis esquecidos que diariamente arrostam o peso milenar da Cultura Portuguesa, ao sabor de um viver sem subsídios que lhes sai do suor do rosto, das mãos, do sono e do pensamento. E, mau grado tudo isto, o gosto ainda de preservar cá dentro uma diligente e eterna saudade de futuro».
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Com direcção musical e produção de Pedro Barroso, no elenco de instrumentistas contam-se o próprio Pedro Barroso (viola beiroa, viola, adufe, caixa, percussões, piano e coros), Pedro Fragoso da Silva (teclados/sintetizadores), António Chaínho (guitarra portuguesa), Sérgio Mestre (violas e flauta), Francisco Raimundo (acordeão), Luís Sá-Pessoa (violoncelos) e Nuno Fernandes (bombardino).
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Além dos poemas de sua lavra ("Prefácio", "Praia Portuguesa", "Embaixador do Mar", "Excesso", "Foi por Um Rasgo de Voz", "Longe Daqui", "O Velho Filarmonista" e "Eterno"), Pedro Barroso musica também um belo poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulado "Não Sei". Todos os temas deste álbum são de antologia, mas cabe destacar "Praia Portuguesa", "Longe Daqui", "Excesso" e "Eterno", estas últimas duas belíssimas peças poético-musicais de tributo à mulher-amante. E a prova perfeita de que Portugal também tem um Patxi Andion. "Longe d’Aqui", é um álbum excepcional: belíssimos os poemas, sedutora a voz de Pedro Barroso em perfeito estado de graça e magistrais as composições e arranjos instrumentais. Tudo neste disco se conjuga para o tornar numa obra-prima absoluta que se ouve em perfeito encantamento e se volta a ouvir, uma e outra vez, com o mesmo prazer e enlevo. Uma referência obrigatória da música portuguesa de sempre!
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Em 1993, Pedro Barroso foi convidado para a Grande Gala da Música e do Bailado, no Teatro Municipal de S. Luiz, em Lisboa, junto com a Orquestra Gulbenkian e os solistas do Ballet de Monte Carlo.
Em 1994, Pedro Barroso regressa aos discos com um álbum temático e conceptual, exclusivamente dedicado à poesia trovadoresca galaico-portuguesa. Tendo contado com o apoio literário da Dra. Ema Tarracha, do Dr. Luís Simões Gomes e da poetisa Natália Correia (uma conhecida apreciadora e cultora das cantigas de amigo e de amor dos nossos cancioneiros medievais), Pedro Barroso musica e canta poemas de Pêro Meogo ("E nas verdes ervas" e "Digades"), Aires Nunes ("Bailemos nós já todas três"), Joan Zorro ("Em Lisboa sobre o mar"), Pêro da Ponte ("Se eu pudesse desamar"), Martin de Grijó ("Louçana, d'amores moir'eu"), D. Dinis ("Ai flores do verde pinho"), Estevam Coelho ("Sedia la fremosa"), Joan Rodriguez de Castello Branco ("Cantiga partindo-se"), Nuno Fernandez Torneol ("Levado amigo"), Pêro Viviãez ("Bailaremos") e Meendinho ("Cercaram-me as ondas"). Em duas das cantigas – "Digades" e "Cercaram-me as ondas" – Pedro Barroso conta também com a colaboração da cantora Anabela Marcos, cuja prestação vocal nos evoca outro disco de referência nesta área poético-musical – "Cantigas de Amigo", pelo grupo La Batalla, de Pedro Caldeira Cabral. As participações instrumentais são assinadas pelo próprio Pedro Barroso (piano, voz, adufe, bombo, viola, percussões várias), Pedro Fragoso (sintetizadores, campaniça e viola), Carlos Dâmaso (guitarra portuguesa, flauta, bandolim, gaita-de-foles), Jorge Nascimento (acordeão) e Luís Sá Pessoa (violoncelo). Embora sem a preocupação de fiel reconstituição musical de acordo com os preceitos da época (porque não foi esse o propósito que esteve na mente do compositor/intérprete), trata-se de um trabalho de grande interesse pedagógico na leccionação da lírica galaico-portuguesa, uma matéria algo árida e esotérica para a generalidade dos alunos, mesmo no tempo de Pedro Barroso. O artista recorda: «Ninguém percebia nada daquilo. Ninguém ligava. E, contudo, sem o saberem, estavam a passar ao lado da pré-história do poetar português. Ali, naqueles livros, homens com seiscentos anos choravam a sua partida, o seu adeus, cantavam a sua alegria e diziam de si, na voz perdida do passado sensível que é, acreditem, o antípoda da chatice. Porque é sensível e belo e eterno». E acrescenta: «Por isso, agarrei nesses velhos e ingénuos portugueses dos cancioneiros, nessas puras e antigas cantigas de amigo, trucidei-lhes respeitosamente, o linguajar e devolvi-as, actuais e ímpias. Que às vezes é preciso destruir para amar melhor. Devolvo-as com o amor com que com elas convivi durante dois anos. Agradeço os apoios técnicos dos especialistas, respeitei-lhes as opiniões e ouvi-lhes, longamente, as elucidações. Tomei nota de tudo. Mas, sobretudo, tentei actualizar e universalizar os pequenos problemas de que me falavam aquelas velhas páginas. E sinto-me mais português na paixão com que assumo, ante os puristas, todos os erros, se forem a saldo, como desejo, da emoção. Para que os herdeiros de um povo nunca mais bocejem ante a excelência da sua velha cultura. E o sol dos tempos trespasse todas as janelas».
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Em nota apensa ao álbum, o Dr. Luís Simões Gomes escreve: «A feminilidade destas cantigas galego-portuguesas deixa transparecer uma situação bem curiosa, que é a da mulher se nos dar como confidente de uma vivência própria de amor, revelando as suas mágoas às ‘madres’, às amigas ou a uma natureza antropopatizada. Tal qual os poetas galego-portugueses se fizeram intérpretes de uma situação que não lhes dizia respeito, assim também Pedro Barroso se quer cantor da fundura afectiva desses cantares, ultrapassando a tal feminilidade, para lhes emprestar uma nova dimensão, que seria a de um amor humano, no seu vigor e espontaneidade. [...] Por isso, achamos este disco de Pedro Barroso muito inovador, tanto pela ‘dessacralização’ que nele se opera desse lirismo, como pelo desejo que nele se manifesta de o fazer reencontrar com melodias e ritmos, populares ou não, mas de sonoridades perfeitamente actuais».
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Em 1996, Pedro Barroso oferece-nos "Cantos d’Oxalá" (CD Top), um álbum que é ao mesmo tempo uma realidade e uma esperança, numa altura em que a rádio (e a televisão) já davam sinais de se alhearem da melhor música portuguesa. A realidade é a obra em si, na senda de qualidade que é a marca distintiva de Pedro Barroso; e a esperança, aliás implícita no título do disco (e do tema que abre o alinhamento), está necessariamente ligada ao desejo íntimo de que a boa música portuguesa não soçobrasse à boçalidade e à mediocridade que tomavam conta dos órgãos de difusão sonora.
Dos doze temas que integram o álbum, dez são originais: "Cantos de Oxalá", "Sítio", "Ai mulher", "Longe", "Eternos Sonhadores" (Mestre Martins Correia / Nuno Barroso), "Viriato", "Amor Antigo", "Toronto Blues", "Partido" e "Rugas". Rematam o alinhamento duas regravações de dois dos seus temas mais emblemáticos: "Menina dos Olhos d’Água" e "Viva Quem Canta". O disco é gravado nos Estúdios Quinta da Voz, em Riachos, propriedade do artista, sendo a direcção musical de Pedro Barroso, e os arranjos de Carlos Dâmaso e Pedro Barroso com a colaboração de todos os músicos. O elenco de músicos é formado por Nuno Barroso (piano e teclas), Pedro Barroso (piano, viola, percussões e coros), Luís Cascão (percussões), Carlos Dâmaso (guitarra portuguesa, viola eléctrica e acústica, gaita-de-foles, flauta e teclados), Nuno Fernandes (tuba), Pedro Fragoso (piano, campaniça e guitarra portuguesa), Jorge Nascimento (acordeão) e Luís Sá Pessoa (violoncelo). Nota ainda para a participação especial de Manuel Freire e Janita Salomé no tema "Cantos de Oxalá".
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No texto de apresentação ao álbum, Pedro Barroso escreve: «Que dizer-vos destes Cantos de Oxalá? Que tentam resistir à moda daquelas cantiguinhas que nos prometem ao quilo em trocadilhos alarves o mais bovino contentamento? Creio que um dia ainda há-de haver um povo culto e grande, um povo que nos lembre Viriato e Deuladeu. E o Gama, o Luís Vaz, o Eça. E as viagens e o sonho. Um povo que nos lembre tudo isso. Mas de momento por onde andará? Vejo, a espaços, pulando pimbas em festas de louca tresmalhação e pouca consequência e todos nós engolimos sem querer as nossa dose diária daqueles senhores q aparecem em todo o lado e se entrevistam uns aos outros. O país, de resto, é a TV. E, a bem dizer só devem existir cinquenta portugueses importantes – aqueles que vemos todos os dias. Os outros, provavelmente analfabetos, terão de contentar-se com a inevitabilidade do que lhes impinjam. E quem não aparecer, é porque deve ter morrido. Não conta. Assim se tornam os dias divertidamente tristes, imbecis. Nem sequer está na moda saber escutar. Não se educa nem para a criatividade nem para a interioridade, nem para os detalhes que fazem a diferença. Educa-se para o bombardeio puro e simples dos sentidos. Pretende-se que tudo seja exterior e efémero. O plástico ao poder. Por tudo isto, ao afazer estes Cantos de Oxalá estou apenas lutando com a mentira. De caminho deixo o meu abraço muito especial ao Manuel Freire e ao Janita. A nossa geração ainda sabe marcar alto quando toca a companheirismo e amizade. Neste disco passa a constar um breve documento dessa alma conjunta. É para ser consumido devagar, em fogo brando, golo a golo, saboreadamente. Porque afinal, algures, mesmo sem poção magica, uma imensa minoria resiste ainda e sempre ao invasor. Com as armas da sensibilidade. São os eternos renovadores e sonhadores de que fala o meu velho Mestre Martins Correia, que fez, aos oitenta e seis anos, um a meias com o meu filho Nuno de dezanove! Assim se fabrica a resistência. Com muitas gerações de permeio para o alcance difícil do futuro. E nesse dia tudo vai valer a pena».
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Em 1999, Pedro Barroso escreve e musica, especialmente para João Chora, o "Fado Ribatejo", que logo se torna o cartão de visita do fadista chamusquense.
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No mesmo ano, publica "Criticamente" (ed. Lusogram), um trabalho que como o título indica constitui um olhar frontalmente crítico e mordaz sobre o país, no limiar do terceiro milénio. E nessa apreciação desencantada dos homens e dos seus efémeros poderes e vãs vaidades a ironia é a arma mais contundente e impiedosa: «Acredito no poder da deusa televisão e da Lisboa da noite onde cabem todos os negócios da opinião e da visibilidade; nos oportunistas e medíocres que têm sucesso e em todos os ricos e poderosos em geral, mas tu natureza dos poetas iluminai-me, mãe de todas as coisas perdoai-me e a minha alma, se existir, talvez ainda possa ser salva». O disco é composto por 10 temas: "Barca em Chão de Lama", "Poema do Lavrador de Palavras aos Políticos", "Ventos Siderais" (música de Nuno Barroso), "Jet Set (Garden Party)", "Canto da Memória Esconjurada", "Agora Nunca é Tarde", "Fado Quitério", "Depois da Fúria", "Critica-mente" e "A Festa Foi Bonita". Com produção, coordenação e direcção musical de Pedro Barroso e arranjos partilhados com todos os músicos, a execução instrumental é de Pedro Barroso (piano, viola, adufe, harmónica, teclados), Nuno Fernandes (tuba), Luís Sá Pessoa (violoncelo), Carlos Dâmaso (guitarra portuguesa, flautas, bandolim), Nuno Barroso (piano, teclados, percussão), Jorge Nascimento (piano, acordeão, teclados). Com este disco, Pedro Barroso afirma-se uma das consciências mais lúcidas e independentes da música portuguesa, em suma, uma das raras vozes da sua geração que não se vendeu às circunstâncias e às conveniências: «Prometi-vos a dignidade de ser livre. Prometi-vos o sonho e a maresia a golpes de aventura contra o nevoeiro e deparo com as limitações próprias de uma costa imprópria para grandes navegações. Contudo há que seguir a viagem e não sei doutra grandeza mais deslumbrante que a luta contra um mar demente em tempestade. Não serei dessa barca grande capitão – mais Febo Moniz que Condestável, mais eremita que Arcebispo. Nem sequer me sinto o mais seguro dos timoneiros – procuro apenas manter intacta a honra e o sentido maior das rotas que aprendi com o tempo. Duro e agreste contra esta serra que me olha a cada dia, serei Pedro ou pedra e continuarei crítico de tudo o que pesa e perturba mas simultaneamente me transcende. Peço hoje, por isso mesmo, humilde perdão do ensandecimento galopante que se me torna, a espaços, insuportável. Mas é quando o verbo me embebeda de opinião que mais me desvaneço de vida. E mais consigo dar-vos de mim, para o que quer que sirva. E já que outras dependências se não instalaram descobri, pois, o discreto prazer da ironia como exercício incontornável do existir». Porque «creio na minoria escassa mas intensa que ainda pensa e escuta e sonha com futuros de seriedade e intenção e sofre com a incultura enorme e boçal que a cada dia nos afoga entre temperos de culinária em patético gosto musical de gosto flatulento e propósito duvidoso e portuguesmente suicida, com a conivência sorridente das mais altas instâncias intelectuais».
"Crónicas da Violentíssima Ternura" (Lusogram, 2001) é o trabalho discográfico que se segue. E que grande álbum este, demonstração perfeita da plena maturidade intelectual e artística de um grande criador, aliada ao soberbo desempenho de uma plêiade de músicos de excepção! Com arranjos e direcção musical de Carlos Dâmaso, e coordenação, supervisão musical e direcção de produção de Pedro Barroso, a execução instrumental é assinada por Carlos Dâmaso (teclados, flauta transversal, viola, banjo e bandolim), Carlos Filipe (acordeão), David Coelho (piano), Luís Petisca (guitarra portuguesa e viola), Luís Sá Pessoa (violoncelo) e Pedro Barroso (viola e percussões). Os 13 temas do alinhamento, todos com letra e música da autoria de Pedro Barroso, são agrupados por áreas temáticas: Das Mulheres ("Jardim de Poetas", "Violentíssima Ternura", "Maria Montanha", "Crónica da luxúria por dizer", "Se esse homem", "Canção de Amante"); Do Mundo ("Sou Português, sou diferente", "O Sentido das Coisas", "Amanhã é demais", "Tântalo poeta, ao fim de tudo"); Da Progressiva Loucura ("Torre do Tombo de mim", "O último Templário enlouquecido"); e Post Scriptum ("Em nome do feitiço acontecido").
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Este é um disco que se ouve com um inusitado prazer. Poesia pura de palavras e de música! Ao ouvir este belíssimo álbum, do princípio ao fim, uma interrogação me assalta: como é possível que uma obra deste quilate tenha passado ao lado da rádio e permanecido numa quase clandestinidade? Algo de anormal se passa neste canteiro entre a Espanha e o Atlântico, para que tais crimes de lesa-cultura aconteçam! E neste ponto, são muito pertinentes as palavras do cantor dirigindo-se aos seus ouvintes: «Constrói-se hoje, na cultura, diariamente um Portugal onde, maioritariamente, não me revejo. Creio até que, ultimamente, se tem fomentado mais a surdez que a capacidade de escutar. [...] E quando vos confiro, espantadamente, rogando-me – numerosos, anónimos, comovidos e sensíveis – para que prossiga, assalta-me uma força enorme que "eles não sabem nem sonham". E lá continuo, juntando os amigos, fazendo à "mão", como artesão, o que para outros é produto industrial. Vós sois a minha seara. Uma parcela de gente, não tão pequena como isso, farta da vulgaridade, da pimbalhice e do oportunismo. Resistentes aos actuais vírus do gosto, tão instalados, tão protegidos e tão divulgados. Pessoas jovens ou antigas que ainda escutam e sentem, cultivando o fogo e a saudade. Gente simples e complexa, grande ingestora de vida e outras atribulações do ser».
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No Natal de 2002, é editado o CD "De Viva Voz" (Lusogram), que reúne quinze temas registados ao vivo entre 1997 e 2002 e que, embora com a qualidade técnica permitida pelas circunstâncias, constitui um documento de inegável interesse como memória de um estilo muito pessoal e da emotividade vivida nos concertos. Integram este disco os seguintes temas: "Cantarei", "Água", "Cantos de Oxalá", "Barca em Chão de Lama", "Poema do Lavrador aos Políticos", "Viriato", "Excesso", "Companheira", "Jardim de Poetas", "Praia Portuguesa", "Bonita", "Caso Sério" (inédito), "Anúncio Confidencial", "Deuladeu" e "Rapsódia Final". Além de Pedro Barroso (viola e piano), os músicos envolvidos são: Carlos Dâmaso (flauta, viola, bandolim, guitarra portuguesa), Luís Petisca (guitarra portuguesa), Jorge Nascimento e Francisco Raimundo (acordeão), David Coelho (piano e teclados) e Luís Sá Pessoa (violoncelo).
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Em 2003, face à calamitosa situação a que havia chegado a divulgação de música portuguesa (de qualidade) nas rádios e televisões nacionais, Pedro Barroso toma a iniciativa de redigir o Manifesto sobre o estado da Música Portuguesa, que seria o ponto de partida para a elaboração de nova legislação sobre as quotas de música portuguesa na rádio. O texto é subscrito por dezenas de cantores, músicos e autores, entre os quais (por ordem alfabética): Afonso Dias, António Chaínho, António Pinto Basto, António Vitorino de Almeida, Armando Carvalhêda, Carlos Alberto Moniz, Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa), Carlos Zíngaro, Eduardo Paes Mamede, Eduardo Ramos, Francisco Fanhais, Janita Salomé, João Braga, João Nuno Represas, José Barros (Navegante), José Cid, José Duarte, José Mário Branco, José Niza, Luís Cília, Luís Pedro Fonseca, Luís Sá Pessoa, Luiz Francisco Rebello, Manuel Freire, Manuel Rocha (Brigada Victor Jara), Maria João, Mário Laginha, Naná Sousa Dias, Né Ladeiras, Olga Prats, Paulo de Carvalho, Pedro Osório, Rui Júnior, Samuel, Simone de Oliveira e Vitorino.
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Desse manifesto, pela preocupante actualidade que ainda mantém, é oportuno transcrever as seguintes palavras: «Música anglo-americana, multinacionais poderosas, lóbis editoriais fortíssimos, "play lists" que nada mais são que formas de censura expressa, radialistas que são simultaneamente promotores discográficos ou escondidamente afectos a interesses de que deviam ser independentes, etc., uniram-se numa cabala ilegal de incumprimento total da referida lei (Lei n.º 12/81, de 21 de Julho). [...] Começa a constatar-se que fazer música e canção em português tornou-se penoso do ponto de vista da circulação discográfica. A uma produção cuidada e de qualidade poética e musical não está necessariamente reservado um espaço em correspondência com o esforço, o investimento, a honestidade e o eventual mérito. Pode ter-se feito a melhor canção do planeta que, se não tiver espaço de audição absolutamente nenhum... morre. Se uma canção não for ouvida, é como se nunca tivesse existido. E a recuperação torna-se impossível. Os editores amedrontam-se; os autores desistem; o círculo vicioso instala-se. E a música dita ligeira, estrangulada e sem quaisquer apoios, definha. Caso curioso é que, não obstante, o público manifesta, por opinião directa e pela sua adesão e comparência maciça aos espectáculos, exactamente o contrário do que defendem aqueles que proclamam a sua indiferença – e até alergia... – ao que é português.» E rematando o manifesto, o autor interpela-nos com algumas questões de grande pertinência: «A canção feita em português não será património e memória para todos nós? Se não ouvirmos cantar em português na nossa rádio não estaremos a comprometer uma parte essencial da nossa identidade? E do nosso futuro cultural? Que perspectivas para a canção em Portugal mantendo-se este estado de coisas?»
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No final de 2004, comemorando 35 anos de carreira, Pedro Barroso publica "Navegador do Futuro" (ed. Ocarina), numa muito cuidada edição de livro/CD, com fotografias e desenhos do artista.
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Predominantemente intimista, com poemas primorosos e arranjos instrumentais de apurado requinte, o disco é composto por 14 temas: "Aniversário", "Porto Antigo", "À Mesa" (música de Luís Petisca), "Ainda Bem Que Era Amor", "Navegador do Futuro" (música de Nuno Barroso), "Facturas do Futuro", "Gracindo Boavida Portugal", "Amor Tranquilo", "Monte do Que Há-de Haver", "Existe Uma Mulher", "Noite de Afago" (música de Luís Petisca e Pedro Barroso), "O Velho Artista", "Atlantes" e "Agora Não é Tarde". Todos os poemas são assinados por Pedro Barroso, sendo as composições também todas da sua autoria salvo onde indicado. Com direcção musical de Luís Petisca, e supervisão musical e produção de Pedro Barroso, a execução musical é de Pedro Barroso (voz, coros, adufe, caixa, percussões e viola), António Oliveira e Silva (viola de arco), Carlos Dâmaso (bandolim e flauta transversal), Fernando Nunes (percussões), Francisco Raimundo (acordeão), Luís Sá Pessoa (violoncelo), Luís Petisca (guitarra clássica, guitarra portuguesa, metalofone e viola) e Ricardo Cruz (contrabaixo e baixo eléctrico).
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Sequência lógica de "Crónicas da Violentíssima Ternura", o precedente álbum de originais, "Navegador do Futuro" é um trabalho notabilíssimo de música portuguesa. Não sei dizer, entre os dois, qual o melhor, mas uma coisa tenho como certa: "Navegador do Futuro" é um dos melhores discos que se editaram em Portugal na primeira década do séc. XXI. E a Rádio Central FM de Leiria, na pessoa da sua directora Emília Pinto, teve a clarividência de reconhecer isso mesmo distinguindo-o com o prémio de Melhor Disco de 2004. No entanto, e a exemplo dos trabalhos anteriores de Pedro Barroso, o disco foi praticamente ignorado pelas rádios nacionais. A propósito desse absurdo e criminoso ostracismo, o músico escreve: «Como é sabido, tecnicamente, eu não existo. Todos os indícios espúrios e avulsos da minha existência são seguramente ilusões de óptica incomodando as consciências estabelecidas. Como se sabe, ouve e publicamente pode comprovar-se, em Portugal apenas há uma dúzia de músicos e cantores. Gente extraordinária, cheia de valor. Mas eu não sou nenhum deles. Por isso, oficialmente, não existo. O que faço atinge, consequentemente – tanto quanto o sinto e me é recorrentemente comunicado – as raias da clandestinidade. [...] Mas tantos ilustres foram desconhecidos, a seu tempo, neste País de interesses e sistemas que, se calhar, este é o modo como acaba por indicar-se, sem querer, o caminho das pedras aos fabricantes da esperança e a glória oculta aos milagres do improviso e da resistência. São trilhos difíceis da diferença, os que, terra a terra, convosco tenho convivido. Por isso, amigos sinceros e imensos, consumam devagar este produto de artesão, como quem quebrou a norma e saiu da clausura. Como quem celebra a festa do encanto arredado e proibido, abrindo um vintage guardado para ocasião especial».
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Em 2005, a Movieplay edita finalmente a muito esperada "Antologia", em duplo CD, onde se coligem 31 temas (mais um poema recitado por Mário Viegas) retirados dos álbuns editados entre 1982 e 1990, ou seja, de "Cantos à Terra-Madre" até "Longe d’Aqui", inclusive, com excepção (porquê?) do álbum "Pedro Barroso" (Transmédia, 1988). O repertório foi cuidadosamente organizado por grupos temáticos: Cantos Rurais / Fase Ecologista / Pessoais; Amores / Histórico; Patrióticas / Temas Humanos.
Trata-se de um compilação de grande utilidade a quem desejar (re)descobrir o repertório mais recuado do cantor, correspondendo o primeiro CD ao repertório mais popular e o segundo a um repertório mais intimista e reflexivo que, segundo o autor, não terá alcançado o merecido realce. «A sensação que tenho é que a minha obra passou ao lado de uma escuta atenta provocando uma análise demasiado redutora e convertendo-me numa espécie de construtor industrial de jovialidade. Ouvindo com mais atenção os temas que compus ao longo desses anos, percebe-se que é injusto ser mais conhecido pelas canções de raiz mais popular em detrimento dos temas mais discursivos e intimistas que também nessa altura compus. E este disco tem pelo menos a virtualidade de revelar um pouco esse lado. Há coisas que já revelam uma reflexão sobre a vida, sobre a ecologia, sobre a ternura e o amor que na época passaram ao lado. Talvez agora seja altura certa para que as pessoas as descubram porque elas correspondem também ao percurso que entretanto escolhi de então para cá» (entrevista a Ana Vitória, in "Jornal de Notícias", 28.11.2005). Quanto ao repertório de cariz mais popular, embora não o renegando, Pedro Barroso olha para ele com alguma displicência: «A espaços, ouço-me agora nesta pequena colectânea e sinto que há já uma História possível. Que as canções, em parte, relatam, falando do que falam. Ao fim de 36 anos de Música e Palavras, só posso ouvir com um sorriso distante mas bom tudo o que aqui se encerra. Quem fez isto fui eu, sim. Um outro jovem e distante eu, que hoje resultou num autor dorido e bem mais exigente. Mas guardo a memória de um exaltado e incansável rapaz que perdia noites guiando; que estragou e viveu amores desconcertados; que acreditou muito em coisas demais; que foi sincero até à alma e ao sangue. E que nos intervalos do trabalho, de tanta saga, de tanta e tão espalhada vivência de palcos, viagens e cansaços, foi compondo canções conformes à sua identidade e ao seu acreditar. É esse o espaço que aqui se reviu e agora se apresenta. Foi bom repensá-lo e reemocionar-me. Teria nessa altura trinta e muito poucos anos. Ou se calhar foi ontem. E eu não dei por isso».
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Ao longo da sua carreira, cantou em praticamente todo o território nacional e ainda em Espanha, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, Suíça, Suécia, Inglaterra, Canadá, Brasil, Hungria, Macau e Estados Unidos, quer em concertos ao vivo quer em actuações para televisão.
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Até hoje, recebeu diversos prémios e distinções nacionais e internacionais, tais como o Prémio Eles e Elas para a melhor canção de 1986, com "Menina dos Olhos d’Água", Prémio Directíssimo de Melhor Disco de 1987 atribuído a "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher", Troféu Karolinka (Festival Menschen und Meer, RDA, 1981), Diploma de Mérito da Secretaria de Estado do Ambiente pelos serviços prestados à causa do ambiente (Ano Europeu do Ambiente, 1988), Troféu Lusopress para o melhor compositor português (Paris, 1993), Prémio Pedrada no Charco (Rádio Central FM de Leiria, 1993), menção de Mérito Cultural do Município de Newark (2003). Em 1994, a Casa do Ribatejo, de Lisboa, atribuiu-lhe o título de Ribatejano Ilustre, no mesmo dia em que também foram distinguidos o toureiro Vítor Mendes, o ciclista Marco Chagas e o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles.
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Publicou os seguintes livros: "Cantos Falados" (Ed. Ulmeiro, 1996), onde reúne muita poesia de canções suas, mas não só; "Das Mulheres e do Mundo" (Ed. Mirante, 2003), livro que reúne poemas escritos entre 1981 e 2003; "A História Maravilhosa do País Bimbo" (Ed. Calidum, 2005), obra de ficção em que aborda com sarcasmo e ironia alguns aspectos incompreensíveis de um país nunca identificado mas vagamente familiar.
Considerado um dos últimos trovadores de uma geração de coragem que ajudou pela canção a conquistar as liberdades democráticas para Portugal, Pedro Barroso – com o seu timbre de voz inconfundível – continua a constituir-se como uma alternativa sempre diferente nos seus concertos, repletos de emoção e coloquialidade, como se de verdadeiros encontros de amigos se tratasse. Porque «cantar é uma maneira de estar vivo». E continua a cantar os seus grandes temas de sempre – a mulher, o amor, o mar, a natureza, a solidariedade, os tipos humanos, a portugalidade, a reflexão sobre a Vida...
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Sobre Pedro Barroso e a sua arte, disse Armando Carvalhêda (autor do programa "Viva a Música"): «...pelos seus olhos de água passam matizes de verde que são a um tempo o grito de vida da lezíria ribatejana e a esperança que na sua poesia musical renasce a cada instante. Escrever sobre o Pedro é sempre frustrante porque vida não rima com talento; e sensibilidade não rima com arte; e esperança não rima com honradez. E no entanto, a vida e a obra de Pedro Barroso são compostas de tudo isto e o muito mais que um universo de palavras nunca esgotaria». No mesmo sentido vão as palavras de Júlio Isidro: «Um caso enorme de dignidade e coerência na boa música que se faz em Portugal». E Carlos Pinto Coelho classificou-o assim: «Um dos mais valiosos autores da música portuguesa. Este homem é um cavaleiro!»
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Notável compositor e intérprete, Pedro Barroso é ainda um excelente poeta, indiscutivelmente um dos melhores entre os cantautores portugueses, perfeitamente a par de nomes como Fausto Bordalo Dias ou Sérgio Godinho. Pedro Barroso não pertence à categoria dos autores/cantores em que as palavras funcionam como mero adorno da música: os seus poemas valem por si sós e fazem dele um dos grandes autores/cantores contemporâneos. Mas ainda por descobrir ou, pelo menos, por reconhecer! E para essa falta de conhecimento ou reconhecimento muito tem contribuído a rádio pela muito deficiente divulgação que, nos últimos tempos, tem dado à obra poético-musical do autor. No caso concreto da rádio estatal, a situação é verdadeiramente vergonhosa e escandalosa. Depois de alguns anos em que esteve boicotado, a verdade é que depois da série de programas em que o Provedor do Ouvinte, José Nuno Martins, analisou a situação da música portuguesa nos alinhamentos de continuidade da Antena 1, a presença de Pedro Barroso nos mesmos não registou uma assinalável melhoria. De então para cá, só muito esporadicamente um dos seus temas aparece na Antena 1 e, como tal, essas passagens de tão residuais e discretas em nada abonam para que o público rádio-ouvinte tome cabal conhecimento da sua obra, mormente da mais recente. Quando se elaboram 'playlists' de uma rádio pública generalista e se ignoram álbuns como "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher", "Longe d’Aqui", "Crónicas da Violentíssima Ternura" ou "Navegador do Futuro", isso só pode significar incultura e incompetência de quem as faz (e de quem as aprova) ou, então, um propósito deliberado de ocultação da obra do artista. Na actual Antena 1, não sei qual dos factores pesa mais, mas em qualquer dos casos estamos em presença de um procedimento que jamais se poderá aceitar. Por uma questão de elementar justiça para com um grande autor/cantor português e pelo respeito que é devido aos ouvintes/contribuintes que têm o bom gosto de apreciar a sua música.


Discografia:

- Trova-dor (EP, Zip Zip, 1970)
- Breve Sumário da História de Deus (EP, Sassetti, 1971) (colectivo, com José Jorge Letria, Lídia Rita e António Macedo)
- 1.º de Maio/Medicina Social (single, Decca/Valentim de Carvalho, 1974)
- Pastilhas Reacção/Canção Urgente (single, Decca/Valentim de Carvalho, 1975)
- Lutas Velhas Canto Novo (LP, Diapasão/Sassetti, 1976)
- Água Mole em Pedra Dura (LP, Sassetti, 1978); Cartas a Portugal (CD, Strauss, 2000)
- Nova Canção de Lisboa (single, Sassetti, 1979)
- Canção ao Rio Almonda/Em Ferrel (single, Sassetti, 1980)
- Quem Canta Seus Males Espanta (LP, Sassetti, 1980)
- Cantos à Terra Madre (LP, Rádio Triunfo, 1982; CD, Movieplay, 1997)
- Do Lado de Cá de Mim (LP, Rádio Triunfo, 1983; CD, Movieplay, 2003)
- Cantos da Borda d’Água (LP, Rádio Triunfo, 1984; CD, Movieplay, 2004)
- Colectânea (LP, Orfeu/Rádio Triunfo, 1986)
- Roupas de Pátria, Roupas de Mulher (LP, Orfeu, 1986; CD, Movieplay, 2004)
- Pedro Barroso (LP, Transmédia, 1988)
- Longe d’Aqui (LP/CD, Discossete, 1990)
- Cantos d’Antiga Idade (CD, Strauss, 1994)
- Cantos d’Oxalá (CD, CD Top, 1996)
- Pedro Barroso: O Melhor dos Melhores, vol. 81 (CD, Movieplay, 1998)
- Criticamente (CD, Lusogram, 1999)
- Pedro Barroso: Clássicos da Renascença, vol. 85 (CD, Movieplay, 2000)
- Crónicas da Violentíssima Ternura (CD, Lusogram, 2001)
- De Viva Voz (CD, Lusogram, 2002) (registos ao vivo entre 1997 e 2002)
- Navegador do Futuro (CD, Ocarina, 2004)
- Antologia 1982-1990 (2CD, Movieplay, 2005)


Fontes:
- Site oficial de Pedro Barroso (http://www.pedrobarroso.com/)
- Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa, dir. Luís Pinheiro de Almeida e João Pinheiro de Almeida, Círculo de Leitores, 1998
- Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida, Mário Correia, Centelha/Mundo da Canção, 1984
- Literatura inclusa na discografia de Pedro Barroso


Propostas para a 'playlist' da RDP-Antena 1 (e Antena 3):
(por ordem alfabética)

- A Dança da Feira (in "Cantos da Borda d’Água"; "Antologia")
- A Festa Foi Bonita (in "Criticamente")
- Agora Não é Tarde (in "Navegador do Futuro")
- Água (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher"; "Antologia"; "De Viva Voz")
- Ai Consta (in "Do Lado de Cá de Mim"; "Antologia")
- Amanhã é demais (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- Amor Antigo (in "Cantos d’Oxalá")
- Amor Tranquilo (in "Navegador do Futuro")
- Anarcristos e Viagens I (in "Do Lado de Cá de Mim")
- Anúncio Confidencial (in "Pedro Barroso"; "De Viva Voz")
- Aurora – Tema / Poema (in "Cantos da Borda d’Água")
- Avessada (in "Cantos à Terra-Madre"; "Antologia")
- Bailaremos (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Bailemos nós já todas três (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Balada a Deuladeu (in "Pedro Barroso"; "De Viva Voz")
- Balada do Desespero (in "Do Lado de Cá de Mim")
- Barca em Chão de Lama (in "Criticamente"; "De Viva Voz")
- Bonita (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher"; "Antologia"; "De Viva Voz")
- Canção para a Amizade (in "Cartas a Portugal")
- Canção para Regressar (in "Do Lado de Cá de Mim"; "Antologia")
- Canção Semente (in "Quem Canta Seus Males Espanta")
- Cantar Brejeiro (in "Cantos à Terra-Madre"; "Antologia")
- Cantar É (in "Cartas a Portugal")
- Cantarei (in "Cantos à Terra-Madre"; "Antologia"; "De Viva Voz")
- Cantiga partindo-se (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Canto da Memória Esconjurada (in "Criticamente")
- Cantos de Oxalá (in "Cantos d’Oxalá"; "De Viva Voz")
- Cercaram-me as ondas (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Cidade (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher")
- Companheira (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher"; "Antologia"; "De Viva Voz")
- Concerto para Esperança e Orquestra (in "Cantos à Terra-Madre")
- Crónica da luxúria por dizer (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- Depois da Fúria (in "Criticamente")
- Digades (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Diz-me o que é ser português (in "Pedro Barroso")
- E Assim Não Há Poema Não (in "Cartas a Portugal")
- E nas verdes ervas (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Embaixador do Mar (in "Longe d’Aqui"; "Antologia")
- Esperança (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher"; "Antologia")
- Estrela d’Alva (in "Pedro Barroso")
- Eterno (in "Longe d’Aqui")
- Eternos Sonhadores (in "Cantos d’Oxalá")
- Excesso (in "Longe d’Aqui"; "Antologia"; "De Viva Voz")
- Eu Hei-de, Meu Bem, Eu Hei-de (in "Cantos da Borda d’Água"; "Antologia")
- Fado da Charneca (in "Cantos da Borda d’Água"; "Antologia")
- Fado Quitério (in "Criticamente")
- Foi por Um Rasgo de Voz (in "Longe d’Aqui")
- Gracindo Boavida Portugal (in "Navegador do Futuro")
- Homem Dum Só Parecer (in "Cartas a Portugal")
- Jardim de Poetas (in "Crónicas da Violentíssima Ternura"; "De Viva Voz")
- Josezito (in "Cartas a Portugal")
- Levado amigo (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Longe Daqui (in "Longe d’Aqui"; "Antologia")
- Lua (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher"; "Antologia")
- Maria Montanha (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- Menina dos Olhos d’Água (in "Cantos da Borda d’Água"; "Antologia"; "Cantos d’Oxalá")
- Música de Mar (in "Pedro Barroso")
- Não Sei (in "Longe d’Aqui"; "Antologia")
- Nasce Afrodite Amor Nasce o Teu Corpo (in "Cartas a Portugal")
- Navegador do Futuro (in "Navegador do Futuro")
- Noite (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher"; "Antologia")
- Noite de Afago (in "Navegador do Futuro")
- O Acordeão (in "Quem Canta Seus Males Espanta")
- O Ramalhete Rubro das Papoulas (in "Cantos à Terra-Madre"; "Antologia")
- O último Templário enlouquecido (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- O Velho Artista (in "Navegador do Futuro")
- O Velho Filarmonista (in "Longe d’Aqui")
- Palavras (a uma coisa amor) (in "Quem Canta Seus Males Espanta")
- Pátria (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher")
- Pela Vida, Companheiros (in "Cantos à Terra-Madre"; "Antologia")
- Poema do Lavrador de Palavras aos Políticos (in "Criticamente"; "De Viva Voz")
- Porto Antigo (in "Navegador do Futuro")
- Praia Portuguesa (in "Longe d’Aqui"; "Antologia"; "De Viva Voz")
- Requiem (in "Cantos da Borda d’Água")
- Romance de Almeirim (in "Cantos da Borda d’Água"; "Antologia")
- Rugas (in "Cantos d’Oxalá")
- Salvar Terra (in "Quem Canta Seus Males Espanta")
- Se eu pudesse desamar (in "Cantos d’Antiga Idade")
- Setembro (in "Cantos da Borda d’Água"; "Antologia")
- Sítio (in "Cantos d’Oxalá")
- Sou Português, sou diferente (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- Tanta Gente (in "Cantos à Terra-Madre"; "Antologia")
- Tântalo poeta, ao fim de tudo (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- Terra (in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher")
- Ventos Siderais (in "Criticamente")
- Violentíssima Ternura (in "Crónicas da Violentíssima Ternura")
- Viriato (in "Cantos d’Oxalá"; "De Viva Voz")
- Viva Quem Canta (in "Do Lado de Cá de Mim"; "Antologia"; "Cantos d’Oxalá")

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Ilusionismo Quadrilátero

ILUSIONISMO
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* Victor Nogueira .
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Ele há um tempo p’ra tudo na vida
Cantando hora, minuto, segundo;
Por isso sempre existe uma saída
Enquanto nós estivermos neste mundo.
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Há um tempo para não fenecer
Há mar, sol, luar e aves com astros
Há uma hora p'ra amar ou morrer
E tempo para não se ficar de rastos.
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P'ra isso e' preciso sabedoria
Em busca dum bom momento, oportuno,
Com ar, bom vinho, pão e cantoria,
Sem se confundir a nuvem com Juno.
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1991.08.11 - SETUBAL