Tempo em Setúbal

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Festa de anos- Tiago Rebelo


 Correio da Manhã


Breves histórias

Festa de anos

“Ele observa-a da mesa, fazendo um esforço por dar um nome àquela cara”
Por:Tiago Rebelo, Escritor (breveshistorias@hotmail.com)
2011.12.04
Ela sai da pastelaria com uma caixa de cartão. Leva o bolo de anos da filha. Vai furiosa, porque o pai da criança lhe telefonou a dizer que está a trabalhar no Porto. Vai falhar-lhe outra vez e deixar a miúda tristíssima.
Ele vai tomar um café antes de ir buscar o filho à mãe. Acordou um pouco mais tarde por ser sábado e ter a manhã só para si.
À saída, com as duas mãos a segurarem a caixa do bolo, ela empurra a porta com as costas e volta-se de rompante para evitar a porta a fechar. Nesse instante, choca de frente com ele, que vai a entrar e não a consegue evitar. Os seus corpos entalam a caixa. Na atrapalhação, ele recua e a caixa escapa das mãos dela. Tentam ambos apanhá-la no ar, mas tarde demais.
Ela agacha-se, de cócoras. Ele também. Ela abre a caixa e contempla desolada o bolo, completamente desfeito. Só lhe apetece chorar. Subitamente, cai-lhe sobre os ombros todo o peso dos últimos meses: a separação, o difícil processo de divórcio, as dificuldades com a filha que se sente abandonada pelo pai... é como se a sua vida estivesse representada no interior daquela caixa.
Nada lhe corre bem e tem a convicção de que nunca mais conseguirá recuperar a felicidade de outrora. Ele tenta ajudá-la, mas ela enxota-o com maus modos, descarregando nele a sua frustração. Ele retira as mãos, abertas em sinal de rendição, ergue-se, entra na pastelaria, vai sentar-se a uma mesa. Ela pega na caixa, dirige-se ao balcão na esperança de remediar o irremediável, mas o empregado diz-lhe que não será possível fazer outro bolo a tempo da festa.
Ele observa-a da mesa, fazendo um esforço para dar um nome àquela cara. Tem a certeza de que a conhece, mas não se lembra de onde. Ela rende-se, vai levar o bolo e tentar compô-lo em casa. Quando sai, ele lembra-se de repente e fica ainda mais atrapalhado.
As crianças brincam pela casa, em cima da mesa da sala de jantar está um triste bolo de anos, uma espécie de ruína doce. Tocam à campainha, ela acompanha a filha à porta, abre-a e ali está ele, o homem com quem chocou na pastelaria. Tem uma caixa na mão e o filho ao lado. Ele sorri-lhe, ela sente-se corar, leva uma mão à boca. Trouxemos um bolo novo, diz ele, entregando-lhe a caixa. Ela recebe-a, envergonhadíssima, convida-o a entrar.
Ele acaba por ficar na festa. É prestável e divertido, ajuda-a na animação, a tirar fotografias. No fim, a sós, descansam na sala enquanto os filhos brincam no quarto. Ele diz que é tarde, ela pede-lhe que fiquem para jantar. No final da noite, quando se vão embora, ela fecha a porta da rua com um sorriso nos lábios a ponderar o jantar a dois que combinaram e a pensar que, afinal, a vida não é assim tão má.

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Ilusionismo Quadrilátero

ILUSIONISMO
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* Victor Nogueira .
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Ele há um tempo p’ra tudo na vida
Cantando hora, minuto, segundo;
Por isso sempre existe uma saída
Enquanto nós estivermos neste mundo.
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Há um tempo para não fenecer
Há mar, sol, luar e aves com astros
Há uma hora p'ra amar ou morrer
E tempo para não se ficar de rastos.
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P'ra isso e' preciso sabedoria
Em busca dum bom momento, oportuno,
Com ar, bom vinho, pão e cantoria,
Sem se confundir a nuvem com Juno.
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1991.08.11 - SETUBAL